Durante a observação do Estágio do curso de Licenciatura e História realizado numa das escolas do meu bairro, presenciei um fato específico que me provocou a refletir a questão de gênero na educação. No ciclo de palestras realizado pela escola para o Ensino Médio no estágio, o palestrante do SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial insistiu aos alunos a importância de ingressar no mercado com experiência além de apresentar os diversos cursos técnicos que o Serviço disponibiliza para todos os alunos presentes.
No entanto quando indagado por uma aluna sobre a inscrição ao serviço, o palestrante indicou o procedimento e logo em seguida sustentou que na escola técnica onde trabalha não há cursos voltados para as meninas, e assim sugeriu outra escola do SENAI que oferece o curso de corte e costura.
Tal atitude demonstra o quanto o ambiente escolar desempenha um papel importante de manutenção, produção e reprodução da cultura dominante, e assim de uma cultura também sexista e discriminatória, marcada pela herança patriarcal. A escola se apropria de elementos tradicionais da construção de gênero para definir o que é ser Mulher e o que é ser Homem, produzindo uma Educação Sexista. Guacira Lopes Louro em Gênero, sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista atenta que a escola delimita espaços através de símbolos e códigos e informa assim o “lugar” dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas (LOURO, 1997, p. 58).
No caso da resposta à aluna, o palestrante do SENAI reproduziu a concepção de dois universos distintos: o universo público masculino e o universo privado feminino. Para os homens o espaço público e de poder e para a mulher o espaço privado e do lar. A profissão de costureira, ao longo da história, se aproxima de uma função “doméstica” e assim é “destinada” para as mulheres. Logo, segundo o palestrante, a aluna está destinada a ocupar os postos de trabalhos que atendam as suas “características” femininas de fragilidade e cuidado com a casa e com os filhos.
No Caderno da Marcha Mundial das Mulheres, o capítulo referente à Educação coloca que:
Essa educação sexista, reforçada ao longo de todo o processo educacional, dentro e fora da escola, acaba por interferir diretamente nas escolas e possibilidades profissionais de homens e mulheres. Pode, se concluir, então que não é por acaso que profissões predominantes femininas são aquelas ligadas à educação e ao cuidado com a (o) próxima (o), como por exemplo, o magistério, os serviços de saúde. Essas profissões são vistas como prolongamentos de atividade doméstica e, como tais, carregam valores atribuídos como naturais às mulheres: dedicação, ternura, sacrifício... Assim, como estas características são tidas como naturais das mulheres, tais profissões predominantemente femininas são mal – remuneradas e desprestigiadas socialmente. [1]
Essa foi apenas uma situação nítida onde a escola carrega e institui o sexismo. Currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, materiais didáticos, linguagem também carregam e produzem essa distinção do feminino e masculino.
A linguagem é o exemplo mais eficaz e persistente para observar a instituição das distinções e desigualdades de gênero. Para Louro é porque ela, a linguagem, “atravessa e constitui a maioria de nossas práticas, como porque ela nos parece, quase sempre, muito natural” (LOURO, 1997, p. 65).
Na escola o masculino plural “alunos” é usado tanto para mulheres como para homens, segundo a regra gramatical que exige masculino. Além disse a expressão homem serve para designar tanto o indivíduo do sexo masculino quanto toda a espécie humana, assim a palavra contempla homens e mulheres. Na História, a expressão homem para designar todas as pessoas é recorrente, e expressões como “o processo civilizatório do Homem” ou “o homem pré – histórico” são comuns nas aulas.
A própria construção da história revela ainda mais características sexistas, ao contar feitos históricos de homens fortes corajosos e viris. Um exemplo dessa afirmação são os slides sobre a Segunda Guerra Mundial da turma do Ensino Fundamental observados durante o período do estágio ao oferecerem apenas imagens de soldados ou políticos homens. Já quando os feitos realizados por mulheres tornam-se importantes é porque se aproximam dos feitos masculinos, como é o exemplo de Anita Garibaldi. Felizmente a participação das mulheres, negros e outros grupos esquecidos e invisíveis na história, vêm senda narrada, no entanto é comum ainda relatar o passado e o presente através de fatos realizados exclusivamente por homens.
Outro questionamento referente à temática na educação é quanto à sexualidade. Na Escola ela está presente porque faz parte dos sujeitos, e sua existência independente da intenção manifesta ou de uma disciplina de educação sexual. E a instituição escolar reproduz e produz as concepções de gênero e sexualidade que circulam na sociedade e deste modo é claro seu objetivo explícito de formar homens e mulheres heterossexuais, tornando-se homofóbica em sua grande maioria.
A discussão não se encerra. Há ainda uma série de questionamentos pertinentes e que apontam a questão de gênero como uma emergência educativa (GADOTTI, 2007, p. 44). A escola é cruzada pelos gêneros e não há como pensar a instituição escolar sem refletir as construções sociais e culturais de masculino e feminino.
[1]Caderno Marcha Mudial das Mulheres, 2008, p. 30
*Por Paula Grassi - estudante de Hitória e militante da Marcha Mundial das Mulheres/RS
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