quinta-feira, 30 de julho de 2009

Nota de repúdio!

Nota de Repúdio.


Nós, mulheres representantes de diversos movimentos sociais, repudiamos a Editora Solcat Ltda pela publicação do guia “Rio for Partiers” e a decisão do Juiz José Luis Castro Rodriguez, da 21ª Vara Federal, que negou o pedido da Embratur encaminhado pela Advocacia Geral da União para que esse guia fosse retirado de circulação. O guia estimula a prostituição classificando as mulheres cariocas em diferentes tipos e instruindo o leitor sobre como garantir relações sexuais com elas. Dentre os tipos classificados encontram-se mulheres que são consideradas “máquinas de sexo” e o guia explica como identifica-las.


O referido guia reduz as mulheres à mercadoria, um produto a ser comprado e usado por turistas em sua visita ao Rio de Janeiro. Na venda de sexo, o comprador, homem, se encontra numa posição de poder, na medida em que a mulher é considerada apenas um objeto, para a satisfação exclusiva do seu comprador. Nesta posição de submissão, essas mulheres são expostas a diversos atos de violência.

Sabemos que muitos países têm a prostituição como estratégia de desenvolvimento pelo alto lucro gerado. Repudiamos a existência do turismo sexual e consideramos vergonhosos paises que estimulam este “turismo” onde se naturaliza a compra e venda de mulheres em prol do lucro de multinacionais, companhias aéreas, de turismo e até mesmo os governos.

Reconhecemos a postura da Embratur como correta e repudiamos a atitude machista do Juiz José Luis Castro Rodriguez em negar a retirada de circulação do guia sexual que representa a mercantilização, exploração das mulheres e incentivo à submissão das relações humanas ao dinheiro. Nós mulheres organizadas lutamos diariamente contra a mercantilização de nossos corpos e nossas vidas. Reafirmamos: somos mulheres e não mercadoria!

Sindicato dos Servidores das Justiças Federais - Sisejufe RJ

Marcha Mundial das Mulheres

Juventude do PT-RJ

Comissão Defesa Direitos da Mulher da ALERJ

Articulação de Mulheres Brasileiras

Movimento de Mulheres de Cabo Frio

CEDIM

Secretaria de Mulheres do PT-RJ

Secretaria de Mulheres do PCdoB

União Brasileira de Mulheres

União Estadual dos Estudantes

DCE PUC-Rio

SASERJ

Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Casa da Mulher Trabalhadora - CAMTRA

União Nacional dos Estudantes

Secretaria da Mulher Trabalhadora CUT-RJ

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Mulheres no volante!

O núcleo da MMM de Juiz de Fora/MG participa da organização do Mulheres no Volante, um Festival de Cultura Feminista!!!
Olhem que legal: http://mnv2009.wordpress.com/
Será que a gente consegue organizar em outras cidades???

domingo, 26 de julho de 2009

Da onda feminista: "I choose my choice"

Existem vários blogs de mulheres que escrevem seus textos com uma perspectiva feminista. Esse texto "Da onda feminista 'I choose my choice' foi escrito pela Marjorie, do blog http://marjorierodrigues.wordpress.com/.
Tem vários elementos do debate que fazemos sobre mercantilização do corpo e da vida das mulheres. Aproveitem!

Da onda feminista “I choose my choice”
Julho 24, 2009
Existe um episódio de “Sex and the city” que eu acho muito emblemático. É uma pena não tê-lo achado no You Tube — então vou ter de fazer a chatice de narrá-lo.

É quando Charlotte (para quem nunca viu a série, é a personagem que encarna o estereótipo da mocinha no aguardo do príncipe encantado. Afinal, as personagens de SATC não são redondas. São tipos. Alguém pode — e com certeza vai — me contestar, mas acho que muito raramente alguma delas fazia algo que saísse do tipo que deveria representar) anuncia para as outras três que está pensando em largar o emprego de curadora numa galeria (um emprego de que ela gostava muito, diga-se de passagem), já que vai se casar dentro de alguns meses e quer ter um filho. A gravidez nem veio ainda, mas ela quer garantir que irá se dedicar ao bebê em tempo integral. Diante da cara de estranhamento das outras, Charlotte diz que também adoraria ter tempo para se dedicar a coisas como cursos de cerâmica e bordado. As caras surpresas continuam. Ela então estufa o peito e acrescenta, claramente inventando isso na hora: ”talvez também algum trabalho voluntário! Tem uma organização que trabalha com crianças com câncer…”.

No dia seguinte, Miranda (o estereótipo da executiva workaholic sem coração) está se arrumando para o trabalho, quando recebe um telefonema. É Charlotte, puta da vida: “não gostei nem um pouco da maneira como você me reprimiu ontem”. Miranda: “hã?”. Charlotte, mei’ histérica: “eu vi como você olhou para mim quando eu disse que estava pensando em abandonar a galeria. Você estava me julgando, como se eu fosse uma imbecil! Mas eu vou te falar uma coisa: o feminismo era pela liberdade de escolha!”. Miranda: “feminismo? Quê? Charlotte, são 7 horas da manhã”. Charlotte continua, já aos berros: “É isso mesmo! Eu escolho as minhas escolhas! Eu escolho as minhas escolhas!”. E é muito forte a cena. Ela repetindo mil vezes, a boca colada no telefone: “I choose my choice! I choose my choice!”

Só que aí… Pá. Vem o arremate da cena. Que é o que eu acho emblemático. Calma, Miranda responde: “OK. Só não venha dizer que eu não avisei, caso Trey [o noivo] te deixe e você, com uma mão na frente e outra atrás, perceba que tudo o que tem é uma tigela de cerâmica com o nome dele”. Eu acho essa fala fantástica porque contextualiza a escolha. Mostra que o contexto em que uma determinada escolha é tomada a dota de um significado particular.

Veja que a Miranda não condena a escolha em si (no final do episódio, ela mesma liga para o chefe fingindo que está doente só para ficar em casa assistindo a um programa de culinária. Algumas temporadas depois, ela decide não abortar, se casar e se mudar para o subúrbio. Ou seja: também ela tem o desejo de se dedicar a um filho). Miranda apenas se preocupa porque, tomada num contexto de diferença de poder entre homens e mulheres, a escolha de Charlotte pode colocá-la numa posição de vulnerabilidade. Econômica e emocional. Vulnerabilidade que a Charlotte não escolheu, mas que pode vir de brinde com sua escolha. Logo, não adianta ser sujeito na hora de escolher, se o contexto te coloca numa posição subordinada depois. O féladaputa do contexto pode te transformar em vítima da sua própria escolha.

Apesar da SATC ter um monte de defeitos e, ao longo das temporadas, ter ficado cada vez mais machista, eu gosto muito desse episódio — e sempre achei que estivesse na cara que a razão está com a Miranda. Mas, pelo visto, a interpretação de muita gente foi diferente. O “I choose my choice!” acabou virando uma espécie de bordão nos EUA. Ele passou a representar a seguinte linha de pensamento (que, ei, obviamente é anterior a SATC, não pensem que estou dizendo que o episódio gerou o raciocínio):

Se eu escolhi fazer tal coisa, o ato de escolher faz de mim automaticamente um sujeito.

Por exemplo: “se eu escolhi ser prostituta/stripper/atriz pornô/whatever, se eu fiz isso porque quero, então eu não sou uma mulher objetificada. Eu sou sujeito das minhas ações e quem disser que estou numa posição de passividade ou vulnerabilidade está errado. É paternalista dar a entender que eu sou burra, não sei o que faço ou sou apenas um joguete do patriarcado”.

Eu acho esse ponto de vista TÃO perigoso. Primeiro, porque reduz o feminismo a essa hiper-relativização: I choose my choice, cada um com sua escolha, pronto e acabou, ninguém mete o bedelho na vida de ninguém. É mais ou menos como o pessoal que, numa leitura super torta de algumas obras da antropologia, sai dizendo por aí que a gente não pode condenar a mutilação genital feminina ou a burca ou o infanticídio ou seja lá o que for, porque “assim é a cultura deles”. Ou “assim é a religião deles”.

Segundo, porque coloca a pessoa que tenta contextualizar as coisas na posição de vilão. “Vocês é que estão me reduzindo, ao dizer que sou manipulada”‘. O que é uma acusação simplista e tacanha. Contextualizar a escolha, dizendo que ela pode levar a uma situação de vulnerabilidade, não é negar o fato de que escolher é uma ação. Nem dizer que o autor da escolha não pense por si. Está-se apenas inserindo esta escolha em um mundo e, então, refletindo quanto à influência do mundo sobre a escolha e o efeito dessa escolha no mundo.

Uma das coisas que eu sempre digo (aliás, quantas mil vezes eu já escrevi isso no blog? Vocês já devem estar de saco cheio) é que nada acontece no vácuo. A camiseta “100% branco” não seria racista no vácuo. Mas, num país com histórico de escravidão e discriminação, é. Outro exemplo: Se o “lingerie day” não tivesse acontecido num mundo patriarcal, em que as mulheres ainda são vistas como enfeites para o deleite dos homens; se não houvesse uma esmagadora pressão para que nós sejamos bonitas e sexies e agrademos os homens; se não houvesse tanta gente que ainda pensa que o certo é que homens mandem e mulheres obedeçam… Bem, querid@s, então aí sim a campanha não seria machista. Fora de contexto, seria mesmo pura diversão.

Mas ela aconteceu num mundo onde tudo isto é realidade. Onde já há uma constante apresentação de corpos femininos como objeto sexual somente (inclusive desmembrados, instrumentalizados, reduzidos apenas às partes erógenas: as únicas que “importam“) — o que induz a uma desumanização da figura feminina. Para cometer violência contra alguém, é necessário coisificá-lo, desumanizá-lo, torná-lo irremediavelmente distante de você. Daí o bombardeamento de imagens que reduzem a mulher a um corpo . A um ser humano incompleto. E não há paralelo para os homens. Pelo menos não o homem ideal, branco, hetero, classe média. Com o corpo do homem gay ou “feminilizado”, a coisa já é diferente. É por isso que a gente diz que, quando há objetificação numa ponta, há violência doméstica e estupro na outra. Logo, embora escolher participar da brincadeira seja uma ação (e eu não acho que nenhuma das meninas que participaram sejam burras ou não saibam o que estão fazendo), isso acaba te jogando numa posição de vulnerabilidade. Posição que você não escolheu, mas vem de brinde.

Voltemos à Juliana Paes. Ela sem dúvida escolheu “fazer da bunda o seu logotipo”, como disse o Marcelo Tas. E sem dúvida tirou vantagens com isso — dinheiro, fama, whatever. E aí a posição que ela ocupa acaba sendo retratada, para as demais mulheres, como uma posição de poder. Olha como ela é poderosa. Só que é um poder restrito. Vulnerável. No dia em que a bunda cair, já era. No dia em que ela parar de despertar o desejo masculino, já era. E, uma vez tendo sido a bunda, sempre será a bunda. Mesmo que ela queira se distanciar dessa imagem, mesmo que queira demonstrar outros tipos de talento, haverá Josés Simões e Marcelos Tas dizendo a ela: “não, você não pode. Não era você quem mostrava a bunda? Como é que você quer que te levemos a sério?”. Juliana acaba vítima da sua escolha.

Se você aderiu à campanha lingerie day, você assinou embaixo de uma campanha com proposta machista. Cabô. Quando eu coloco meu nome num abaix0-assinado, quando me junto a uma passeata, eu estou engrossando o caldo. Não adianta dizer: “ah, mas eu participei por outros motivos”. Ou: “eu quis participar, então, se eu sou sujeito e não objeto, isso deixa de ser machismo”. O fato do objeto ter escolhido ser objeto não elimina o contexto de objetificação.

Eu não posso botar nas coisas o significado que eu bem entender e achar que, se eu ressignifiquei individualmente, isso automaticamente passa a valer no mundo. As ressignificações são sempre coletivas — portanto, lentas. É preciso que o mundo mude para que o significado e o efeito da escolha também mudem.

Como as ressignificações têm de ser coletivas para surtirem alguma transformação efetiva, é por isso que nós estamos o tempo todo nesse esforço de desconstrução das coisas. Convidando os outros a reparti-las em pedaços, esmiuçar. Entender o que está errado para daí construir uma proposta nova, etc.

Quando faço um post dizendo “olha que comercial machista”, por exemplo, não estou querendo ensinar ninguém. Não estou me colocando numa posição superior, como se eu estivesse livre de influências patriarcais e minha missão no mundo fosse evangelizar os pobres coitados que continuam cegos, marionetes do sistema. Eu estou é fazendo um convite: “que tal nós (todas pessoas que nasceram e cresceram dentro de um patriarcado e não conhecem outra realidade) tentarmos descodificar, juntos, essa mensagem?”. Porque eu sei que, sozinha, eu não consigo mudar porra nenhuma.

Só que o problema de desconstruir as coisas é que a gente vai derrubando, também, os próprios paradigmas. A gente abandona certezas, sai da zona de conforto — e não entra em outra. Pelo contrário: o que se oferece a partir daí é um desafio. Um problema a ser resolvido. E é claro que isso é desesperador.

Me explico. Eu sempre digo que “Eros e Civilização”, do Marcuse, e “A sociedade do espetáculo”, do Guy Debord, são os livros que mudaram a minha vida. Acho que eu não os teria entendido não fosse por uma aula em que o professor mastigou a mensagem: você pensa que é livre, mas não é. Você vive é um simulacro de liberdade. Ele não disse nessas palavras, claro. E eu jamais seria capaz de repetir ou mesmo resumir a aula aqui. Mas a coisa descambou para um quase interrogatório. Os alunos dizendo: “mas, péra aí, e quando eu faço X? E quando eu escolho Y?”. E lá ia o professor mostrar onde o Marcuse apontava que não, bobinho, também isto não é um ato completamente livre. Foi assim até os alunos ficarem sem exemplos. Sem ter mais o que perguntar. Todo mundo deprê. Eu saí da aula ARRASADA. Com vontade de me jogar na frente de um carro.

Mesma coisa com “O segundo sexo”. Você acha que eu fiquei feliz ao terminar de lê-lo? Tipo: “eba! Agora vou ser feminista e fazer um monte de amiguinhas”? NÃO, PORRA, EU FIQUEI TRISTE PRA CARALHO! Desmoronou tudo: o mundo não é para mim. Olha o tanto de mitos e restrições que me aplicam só porque nasci com dois cromossomos XX. Isto significa que terei de me esforçar em dobro para conseguir metade do reconhecimento de quem, por mero acaso, nasceu XY. É ou não é para ficar de bode?

Vocês acham que eu gosto de reclamar? Vocês acham que eu gosto de ficar apontando machismo aqui, ali, em todo lugar? Vocês acham que eu gosto de constatar que nós não somos livres? Claro que não. Eu queria ser livre de fato, oras. Eu queria poder estar falando de outra coisa. Eu não queria estar passando raiva, não.

É por isso que eu gosto tanto da metáfora da colher de chá: “estamos aqui tentando esvaziar o oceano com colheres de chá”. Porque ela carrega esses dois lados. É ao mesmo tempo uma motivação e o reconhecimento de que há uma imensidão de trabalho a ser feito. Maaaaas… Pode ser que a gente não consiga nunca. Pois é. É bonito e, ao mesmo tempo, deprê.

Vou cagar psicologia barata aqui, mas tenho a impressão de que as mulheres do ”I choose my choice” estão como naquela fase de negação dos doentes terminais. Dói reconhecer a própria falta de poder. Dói perceber que se tem uma posição inferior na sociedade. Dói perceber que a nossa esfera de ação é limitada. Aí uma das saídas é enganar a si mesma, fazendo um esforço de abstração para transformar vulnerabilidade em não-vulnerabilidade. Passividade em ação.

(Já tô vendo que essa minha frase vai causar alguma polemiquinha, mas é a interpretação que eu consigo fazer no momento. Nunca custa repetir que nada aqui é definitivo, tudo é transitório, etc)

O poder feminino (pôr-se como objeto a la Juliana Paes) é um falso poder. E o poder feminista é algo que ainda não existe. Então tenho a impressão de que as mulheres do “I choose my choice” se ressentem porque acham que estamos tentando tirar algo delas. Queremos retirar delas a nesguinha de liberdade que elas acham que têm para oferecer-lhes um projeto de liberdade que pode nunca ser concretizado.

Eu sei que soa feio assumir que contribuiu para o patriarcado. Eu sei que é feio parecer passivona. Mas o fato é que, apesar de pensantes e inteligentes, somos tod@s human@s. Vocês lembram do meu post sobre depilação? Se não lembram, assumo aqui de novo: eu jamais sairia de casa de saia, se minha perna não estivesse depilada. Não teria coragem de fazer sexo se minha virilha não estivesse depilada. Não é porque eu não goste de mim com pêlos, é uma questão de costume. Mas é que eu tenho medo de chacota. É bobo, eu sei. A mensagem patriarcal me subiu à cabeça. Também já fiz de tudo para agradar namorado, como se o contentamento dele estivesse acima do meu. Já agi como se sexo fosse uma maneira de conseguir o que eu queria. Enfim, já fiz N coisas só porque “é assim que as mulheres devem ser”. E continuo fazendo. Às vezes consciente disso, às vezes não. Mas assumo: EU SOU UMA PASSIVONA, em muitos aspectos. Desconstruir isso é um processo. Lidar com o fato de que não sou livre o quanto já pensei que fosse ou gostaria de ser, também.

PS – E, mesmo depois de passar horas escrevendo isso aqui, eu nunca consigo destrinchar as coisas tão bem quanto ela.