quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Governo espanhol aprova projeto sobre aborto

Fonte: http://www.conjur.com.br/2009-set-26/governo-espanha-aprova-projeto-legaliza-aborto-pais

O governo da Espanha aprovou a reforma de lei sobre o aborto. Com exceção do Partido Popular, a maioria dos parlamentares concordam com a necessidade de modificar a lei sobre o assunto, que é de 1985, embora não estejam de acordos com os aspectos do projeto. Um dos pontos permite que a decisão seja tomada por meninas de 16 anos. As informações são do jornal El País.

Pelo projeto, caso seja aprovado, as espanholas poderão decidir livremente se querem abortar desde que isso seja feito durante as primeiras 14 semanas de gravidez. Também podem interromper a gestação até a 22ª semana se a sua vida ou saúde estiverem em risco ou se o feto sofrer mal formação grave.

De acordo com o projeto, depois deste prazo, só poderão abortar se o feto sofrer anomalias incompatíveis com a vida dele ou extremamente graves e incuráveis, situação esta que será avaliada por um comitê clínico. O projeto também acaba com a penas privativas de liberdade para mulheres que abortem fora dos casos previstos.

A legislação sobre o tema na Espanha é muito diferente do resto dos países da Europa. É um dos poucos países da União Europeia que não considera o aborto como um direito, ainda que dentro de certos limites.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Irreverência Feminista

Ensaio da Fuzarca Feminista na Zona Leste

Quando: 26 de Setembro às 13h00
Local: Casa Viviane dos Santos (Rua Professor Pereira Frazão, 50 Guaianases/São Paulo(Referência: Próximo a Escola Pedro Taques, em frente ao Conselho Tutelar de Guaianases)


Fuzarca Feminista na Zona Leste

Além de batucar faremos uma panfletagem por isso compareçam e divulguem essa data!!!!

''Seguiremos em marcha (e batucando) até que todas sejamos livres!!!!''

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

BRECHÓ DA MARCHA RUMO AÇÃO 2010! CASA VIVIANE DOS SANTOS!

DIA 27 DE SETEMBRO, A PARTIR DAS 11 horas!

LOCAL: Rua Professor Pereira Frazão, 50 Guaianases/São Paulo(Referência: Próximo a Escola Pedro Taques, em frente ao Conselho Tutelar de Guaianases)




DIA 27 DE SETEMBRO, A PARTIR DAS 11 horas!
Desta vez o Brechó mudou de endereço! Ele será na Casa Viviane dos Santos.

Para que ele seja um sucesso, a sua participação (e das amigas e simpatizantes) é fundamental!
Lembra daquelas roupitchas que você não usa mais? Agora elas terão uma função super nobre, ajudar a financiar a participação das Paulistas nas ação de 2010 da MMM.

As doações podem ser feitas na SOF ou na própria Casa Viviane.
Doe e de quebra leve algumas peças, a preços justos, para sua casa.

LOCAL: Rua Professor Pereira Frazão, 50 Guaianases/São Paulo
(Referência: Próximo a Escola Pedro Taques, em frente ao Conselho Tutelar de Guaianases)

DIA 28 DE SETEMBRO É O DIA LATINO AMERICANO E CARIBENHO DE LUTA PELA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO.



No Brasil, neste dia, a Frente Pelo Fim Da Criminalização Das Mulheres e pela Legalização do Aborto organizará ações de rua, em várias cidades em diversos estados, para denunciar a criminalização das mulheres e exigir a legalização do aborto. Na cidade de São Paulo, a MMM é parte da organização do ato que acontecerá na Praça da Sé, às 15h00.

No Brasil, o aborto é considerado crime, mas isso não impede e nunca impedirá que ele seja praticado. A clandestinidade, no entanto, condena às mulheres pobres a recorrer a práticas inseguras.

A criminalização das mulheres é um ataque ao direito que todas temos de decidirmos sobre o nosso corpo e a nossa vida e obriga a milhares e milhares de mulheres a colocarem sua vida e saúde em risco, por não terem condições de bancarem um atendimento decente.

Ninguém faz aborto porque gosta, mesmo assim no Brasil cerca de 240 mil mulheres são internadas em hospitais do SUS em decorrência do aborto o clandestino. Elas chegam com hemorragias infecções que às vezes levam a morte. Quando não são maltratadas e humilhadas nos hospitais.

Como se não bastasse, atualmente no Brasil, setores conservadores passaram a perseguir com objetivo de prender, condenar e humilhar as mulheres pobres que recorrem ao aborto e as pessoas que lutam pelo direito de decidir das todas as mulheres.

No ano passado, 2000 mil mulheres em Mato Grosso do Sul tiveram suas vidas expostas e já há mulheres condenadas por praticar aborto. Infelizmente esse lamentável e condenável fato incentivou o “estouro” de clínicas em outras cidades de vários estados do país, numa clara intenção de amedrontar, constranger e criminalizar as mulheres.

A ofensiva misógena se dá também no legislativo federal: deputados conservadores propuseram a CPI do aborto, cuja finalidade é investigar as práticas de aborto clandestino no país. O que significa penalizar e perseguir mais ainda as mulheres pobres que recorrem ao aborto clandestino. Outras iniciativas absurdas como proibição do acesso a pílula do dia seguinte mostram o empenho desse setor em retirar das mulheres o direito de decidir sobre o seu corpo.

Em nosso continente, a recente experiência de legalização do aborto no México mostra que é possível lidar com esta situação sem hipocrisia. E com resultados positivos para as mulheres, em especial, as mais carentes. Não se vêem mais mulheres chegando ao hospital com o útero perfurado em conseqüência de manobras abortivas perigosas.

A lei beneficia também a sociedade e ao Estado. Menos complicações médicas, muitas vezes mais custosas que o aborto, e menos abandonos de recém-nascidos. As autoridades sanitárias do México fazem um balanço positivo da lei que descriminalizou o aborto até doze semanas de gestação - uma experiência pioneira na América Latina.

Por isso, neste 28 de setembro, às 15h00, na Praça da Sé exigiremos o fim da criminalização das mulheres e a legalização do aborto. Estaremos mulheres e homens, lutadoras e lutadores comprometidos com a luta por uma sociedade sem opressão, onde todas e todos tenham o direito de decidir o destino de suas vidas.

Legalizar o aborto,
Direito ao nosso corpo!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Relações sociais de sexo e divisão sexual do trabalho

Danièle Kergoat


(Publicado em “Gênero e Saúde” - org. Marta Julia Marques Lopes, Dagmar Estermann Meyer e Vera Regina Waldow. Ed. Artes Médicas – 1996)


Relações sociais de sexo e divisão sexual do trabalho são duas proposições indissociáveis que formam um sistema. A reflexão em termos de relações sociais de sexo é, ao mesmo tempo, anterior e posterior à reflexão em termos de divisão sexual do trabalho. Ela é preexistente como noção, mas posterior como problemática. É preexistente, pois foi uma aquisição do feminismo, por meio da emergência de categorias de sexo como categorias sociais, de mostrar que os papéis sociais de homens e mulheres não são produto de um destino biológico, mas que eles são, antes de tudo, construções sociais que têm uma base material.
Mas ainda faltava provar isso! Foi o que permitiu a formalização em termos de divisão sexual do trabalho, oferecendo um quadro para conhecer simultaneamente:
- Um trabalho considerável, geralmente de primeira mão, para conhecer a realidade (e não mais os estereótipos) do trabalho feminino em todos os seus aspectos e por especificar sexualmente o trabalho masculino.
- Um trabalho paralelo de desconstrução/reconstrução dos conceitos usualmente utilizados e de desvendar sua "neutralidade" mostrando as suas características sexuadas, conduzindo, necessariamente, a uma crítica dos modos de conceituação no conjunto das Ciências Sociais.

A partir de então é que se tomou possível um retomo às relações sociais para construir um quadro teórico de conjunto, no qual se insere a divisão sexual do trabalho. Isto porque estes dois conceitos são inseparáveis. É sobretudo a análise em termos de divisão sexual do trabalho que permite demonstrar que existe uma relação social específica entre os grupos de sexo. É esta análise que permite, a partir de uma análise fechada da repartição (da distribuição) dos homens e das mulheres quanto à qualificação, por exemplo, no que se refere ao assalariado (Kergoat, 1982) ou quanto ao trabalho doméstico (Chabaud-Rychter, Fougeyrollas-Schwebel, Sauthannax, 1985), de provar que as separações entre homens e mulheres não são redutíveis a mais ou menos exploração ou a uma divisão desigual, mas que se trata de um tratamento contraditório segundo o sexo. Enfim, de uma análise da relação social específica à variável sexo.
Esta curta introdução foi necessária, pois o termo de divisão sexual do trabalho, se é hoje conhecido na linguagem sociológica corrente, tem significações muito diferentes umas das outras. Freqüentemente ele é utilizado com uma conotação simplesmente descritiva -há uma diferenciação entre os sexos nas atividades sociais. Correto, esta abordagem sociográfica foi e é indispensável. Mas, falar em termos de divisão sexual do trabalho é, a meu ver, muito mais. É articular essa descrição do real com uma reflexão sobre os processos pelos quais a sociedade utiliza esta diferenciação para hierarquizar as
atividades. A divisão sexual do trabalho está no centro (no coração) do poder que os homens exercem sobre as mulheres.
Portanto, argumentar em termos de divisão sexual do trabalho é, para mim, indissociável de uma sociologia das relações sociais.
Para ficar claro, utilizamos, ao longo deste texto, relação social não simplesmente como contato, ligação social, mas como uma relação: 1º) antagônica, 2º) estruturante para o conjunto do campo social e 3º) transversal à totalidade deste campo social.

AS RELAÇÕES SOCIAIS DE SEXO

Este conceito nos leva a uma visão sexuada dos fundamentos e da organização de sociedade. Fundamentos e organização estes ancorados materialmente na divisão sexual do trabalho. Existe, portanto, um esforço para pensar de forma particular, mas não fragmentada, o conjunto do social, ou seja:
-Particular, porque ela foi elaborada a partir do "ponto de vista" da opressão das mulheres (feminist stand-point).
-Não-fragmentada, já que as relações sociais de sexo existem em todos os lugares, em todos os níveis do social. Esta abordagem deve, portanto, se integrar em uma análise global de sociedade, contribuir para fazê-la avançar (não se trata, evidentemente, de se integrar passivamente, o que seria mesmo impossível) e se articular aos outros elementos da dinâmica social.

Finalmente, é necessário precisar que esta visão global do social é pensada em termos dinâmicos, pois ela repousa em antagonismos e contradições, bem como em termos materialistas, pois toda relação social tem um fundamento material.
A definição de relações sociais de sexo que avançamos aqui repousa em vários pontos:
1. Em uma ruptura radical com as explicações biologizantes das diferenças entre as práticas sociais masculinas e femininas.
2. Em uma ruptura radical com os modelos supostos universais.
3. Nas afirmações de que tais diferenças são construídas socialmente e que esta construção social tem uma base material (e não apenas ideológica).
4. Que elas são, portanto, passíveis de ser aprendidas historicamente.
5. Na afirmação de que estas relações sociais repousam em princípio e antes de tudo em uma relação hierárquica entre os sexos.
6. De que se trata, evidentemente, de uma relação de poder .

Nesta perspectiva convém ressaltar que o conceito de relações sociais de sexo se prende à noção de prática social. De fato, se admitimos que existe uma relação social específica entre os homens e as mulheres, isto implica práticas sociais diferentes segundo o sexo.
Como práticas sociais e não-condutas biologicamente reguladas, podem se buscar seus princípios de inteligibilidade. Assim, o que estava fora do campo da disciplina sociológica se toma um objeto legítimo de questionamento.

Neste sentido, a noção de prática social é indispensável para:
- Permitir a passagem do abstrato ao concreto (o grupo, o indivíduo).
- Definir os atores de outra forma do que como puro produto das relações sociais.
- Poder pensar simultaneamente o material e o simbólico.
- Restituir aos atores sociais o sentido de suas práticas, para que o sentido não seja dado de fora por puro determinismo.
Esta definição é uma entre outras possíveis. Conceituar em termos de relações sociais de sexo não é coisa nova entre as intelectuais francesas (podemos citar como exemplo a produção de N.C. Mathieu). E, evidentemente, muitas de nossas aquisições reflexivas são resultado do conjunto de nossos trabalhos.
A construção, para referenciar os termos de Helène de Doaré (1991), de um verdadeiro pensamento dialético, torna-se real o que não tinha sido feito anteriormente a não ser no âmbito das classes sociais. Os sexos não são, a partir de então, categorias imutáveis, fixas, a-históricas e associais. As relações sociais de sexo são, ao contrário, periodizadas, e o problema da mudança da transformação pode ser abordado.
Falar em "relação social" quer dizer falar de relação de poder. A partir de então, está descartado o desconhecimento do ponto de vista do dominante, pois ele conhece os mecanismos econômicos, as justificativas ideológicas, os constrangimentos materiais e físicos a utilizar. Isto é tanto mais indispensável que, quando se é dominado, se a gente conhece a vivência da opressão, não se tem necessariamente plena consciência dos mecanismos da dominação (N.C. Mathieu,1991).
Por fim, e é aqui onde os caminhos divergem, as práticas de pesquisa são bastante divergentes e uma questão se coloca: é necessário, então, centrar a reflexão somente nas relações sociais de sexo, ou é necessário, ao contrário (e esta é a minha posição), tentar pensar o conjunto das relações sociais na sua simultaneidade? Tudo depende do objeto que se assume. A meu ver, trata-se de se instrumentalizar, com princípios de inteligibilidade, para compreender a diversidade e a complexidade das práticas sociais de homens e mulheres. Nesta perspectiva, considerar somente a relação de dominação homem/mulher é insuficiente.
É assim que pensam a si mesmos os atores sociais. É evidente que os homens, dominantes, não se colocam enquanto "homens", já que, quase por definição, o dominante existe de direito, mas não "se pensa" como tal. É O dominado que se pensa, e ainda nem sempre, como "relativo". Mas uma mulher não se pensa como mulher, ela se pensa também dentro de uma rede de relaçÕes sociais. Como trabalhadora (na relação capital/trabalho, na relação salarial), como jovem ou velha, como, eventualmente, mãe ou imigrante. Ela sofre e/ou exerce uma dominação segundo sua posição nestas diversas relações sociais. E é o conjunto que vai constituir sua identidade individual e dar nascimento às suas práticas sociais. Em nível coletivo, é ainda o conjunto das relações sociais que vai fundar o sentimento de pertencer a um grupo e a consciência de dele fazer parte.
Minhas reflexões se assentam, portanto, nas seguintes bases:
1. As relações sociais de sexo dinamizam todos os campos do social. Toda relação social é sexuada, enquanto que as relações sociais de sexo são perpassadas por outras relações sociais:
- As relações de classe são analisadas enquanto relações que imprimem conteúdo e direção concreta às relações sociais de sexo.
- Ao imerso, as relações de sexo são analisadas como emprestando conteúdos específicos às outras relações sociais (por exemplo, a norma da "virilidade", tão presente no meio operário masculino).

2. Fazemos, assim, "explodir" os quadros de referência binários e com isso se pode pensar a totalidade do social, sem que tentemos, afobadamente, pesquisar a "boa" relação social, ou a "boa" identidade que vai resolver o que não pode aparecer, tanto numa perspectiva clássica como das contradições.

3. Quebramos, assim, a homologia entre um tal lugar e uma tal relação social: a relação entre os sexos não se esgota na relação conjugal, mas é ativa no lugar de trabalho, enquanto que a relação de classes não se esgota no lugar de trabalho, mas é ativa, por exemplo, na relação com o corpo, ou na relação com as crianças.

4. Podemos pensar a complexidade e a mudança no jogo das diferentes relações sociais entre si. De fato, as relações sociais de sexo não funcionam de forma homogênea em todos os setores, nos diferentes níveis sociais. Assim, na empresa, se assiste a uma recriação das relações sociais de sexo e não a um simples reflexo do que se passa do lado de fora dela (Humphrey, 1987). Nada é imutável, mecanicista, tudo é histórico, periodizável (Milkman, 1987).

5. Isto permite, enfim, de falar de "sujeitos" que, ao mesmo tempo, sofrem a ação das relações sociais, mas, igualmente, agem sobre elas, construindo, tanto individualmente como coletivamente, suas vidas, por meio das práticas sociais.

Para concluir esta parte, afirmo que a função do conceito de relações sociais de sexo é dupla e retomarei aqui os termos do último relatório de atividades do GEDISST (Groupe d'Étude sur Ia Division Sociale et Sexuelle du Travail- Laboratório do CNRS). Vimos que este conceito é princípio organizador das práticas sociais, da mesma forma que as demais relações sociais, às quais ele se articula. De fato, 1°) ele indica que a dimensão sexuada é parte integrante do social e deve ser levada em conta na construção das categorias de análise das ciências sociais (trabalho de desconstrução); 2°) ele indica a necessidade de forjar "instrumentos" conceituais aptos a analisar a dinâmica complexa do conjunto das relações sociais (trabalho de construção).
É necessário, ainda, legitimar a articulação entre relações sociais de sexo e divisão sexual do trabalho. Este é um problema essencial para não pensarmos em divisão sexual do trabalho na "pura base empírica", enquanto que reservamos às relações sociais de sexo a "teoria". Teoria esta, tanto mais inconsistente quanto menos ligada à materialidade social. É importante igualmente, se não quisermos pensar tão-só o "porquê" dos fenômenos sociais, mas também o "como" (sobre este problema, cf. Kergoat, 1986). É importante, enfim, se quisermos articular quadro teórico e metodológico, porque não podemos estudar as relações sociais em si, mas suas modalidades, suas formas, sua periodização, e isso se faz por meio das práticas sociais. Mesmo assim, ainda falta uma mediação: hipóteses à capacidade média na qual situamos o papel explicativo da divisão sexual do trabalho, a partir do momento em que lhe atribuímos um papel central nas disputas (enjeux*.) nas relações sociais de sexo.
As relações sociais organizam, denominam e hierarquizam as divisões da sociedade: privado/público, trabalho manual/trabalho intelectual, capital/trabalho, divisão internacional do trabalho, etc. As modalidades materiais dessas bicategorias são centrais nas relações sociais; a divisão social do trabalho entre os sexos é ponto ( de disputas) fundamental nas relações sociais de sexo.

AS LINHAS DE DEMARCAÇÕES COM
OUTROS CAMPOS TEÓRICOS

Um primeiro debate poderia ser o da utilização do termo "gênero", "relações de gênero" (do inglês gender) ao invés de "relações sociais de sexo". A primeira observação é de bom senso: é impossível colocar em oposição gênero e relações sociais de sexo; os dois termos são altamente polissêmicos. Encontramos, nos dois casos, O mesmo leque de acepções que vão da simples variável mulheres, até uma análise em termos de relações sociais antagônicas (Scott, 1988). Trata-se, a meu ver, menos de conceituações alternativas do que de formalizações preferenciais.
Pode ser útil lembrar que o movimento feminista francês, diferentemente do que se passou em outros países, se definiu, de início, em parte no interior e/ou em oposição aos partidos políticos de esquerda e foi profundamente marcado pelo marxismo como teoria de referência. Vem daí um vocabulário análogo: modo de produção doméstica, relações sociais de sexo, classe de sexo (Guillaumin, 1978), etc. Mas não se esgota nisso. De fato, a redução da análise em considerar somente a variável sexo é muito mais difícil com o conceito de relações sociais de sexo, termo que implica, necessariamente, uma certa visão da sociedade e que elimina outras, por exemplo: é difícil falar simultaneamente de relações sociais de sexo e patriarcado, enquanto que a utilização do termo gênero o permite. E mais, "relação" tem uma conotação de reciprocidade, o que não tem o termo "gênero": uma categoria só existe em relação à outra. É, portanto, mais difícil "esquecer", no segundo termo, o grupo social dos homens.
Enfim, a aproximação relação social (forçosamente fato da cultura) com a palavra sexo (sempre percebido como fato da natureza) tem um efeito detonador, interrogativo, subversivo, efeito que, para nós, é positivo, já que pensamos que esta abordagem conduz a repensar a epistemologia das Ciências Sociais.
Um segundo debate diz respeito ao emprego do termo "patriarcado". Diferentes definições de patriarcado apareceram nos Estados Unidos (patriarcado baseado na reprodução ou na sexualidade) e na França, (patriarcado baseado no modo de produção e no modo de produção doméstica). Esses trabalhos parecem se inscrever definitivamente numa abordagem estruturalista, e isso, levanta, a meu ver, dois problemas:

- Primeiro, remete às dificuldades próprias a toda abordagem estruturalista: a que insiste na metaestabilidade do sistema, e, no que diz respeito aos nossos propósitos, rapidamente pode-se passar à uma abordagem que considera a posição das mulheres como imutável.
- Afirmar a primazia (ou a simultaneidade -Guillaumin, 1978) do sistema patriarcal em relação à organização social no seu conjunto não é suficiente para mostrar como o sistema afeta domínios que não parecem estar ligados. Assim, por exemplo, como articular o modo de produção doméstico (Delphy, 1978) -que explica que é a apropriação ou a exploração do trabalho das mulheres na família que está na base de sua exploração comum, com o modo de produção capitalista?

Podemos ver que a definição de relações sociais de sexo, que foi proposta aqui, torna caducas as análises que se referem à "condição feminina " (pois esta é pensada em termos de especificidade em relação a um modelo que se diz geral) ou à noção de papéis sociais (essa análise pensa as posições sociais dos dois sexos em termos de complementaridade).
Quanto ao que se convencionou chamar " estudos sobre as mulheres", tais análises se chocam inelutavelmente na dificuldade seguinte: como pensar teoricamente a acumulação de dados e de estudos pontuais? Mas o mais grave é que os "estudos sobre as mulheres" acreditam geralmente na proposição segundo a qual é preciso desconstruir os conceitos que se apresentam falsamente como universais, mesmo que eles sejam somente sujeito e objeto de teorias que esvaziam os dados desse universal. No entanto, tais estudos tendem, por intermédio de seus dispositivos metodológicos e teóricos, a apresentar lia" mulher como dotada de uma essência e como universal, como sujeito e objeto de pesquisa (Harding, 1986). Nestes aspectos, essas análises me parecem desembocar numa contradição insuperável.
Serei ainda mais breve sobre o esquema igualitário que, propondo como objetivo o alinhamento da situação das mulheres baseado na situação dos homens, se constitui de fato sobre uma norma masculina, supostamente estática. Realmente, o fracasso relativo das políticas de igualdade (Doniol-Shaw et alii, 1989) mostra bem os limites de uma argumentação em termos de recuperar o que foi perdido, Toda mudança na situação de um grupo induz uma mudança para outro grupo, É certamente sobre o terreno das relações de força que se afrontam, com armas desiguais, os grupos de sexo em oposição.
Terminarei sobre a teoria da diferença. É evidentemente com ela, baseado na adesão a valores intrinsecamente sexuados, portanto, a-históricos (identidade feminina) que a distância é maior. Citarei simplesmente Simone de Beauvoir que, desde 1972, em Tout compte fait, declarava: "Eu não acredito que existam qualidades, valores, modos de vida especificamente femininos; seria admitir a existência de uma natureza feminina, quer dizer, aderir a um mito inventado pelos homens para prender as mulheres na sua condição de oprimidas. Não se trata para as mulheres de se afirmar como mulheres, mas de tornarem-se seres humanos na sua integralidade".
É justamente o problema do universal que está posto aqui. Falar de relações sociais é colocar no centro do problema a luta dos dominados -homens e mulheres -para ascender ao universal e para poder pensar, enfim, esse universal.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ICHABAUD-RYCmER D., Fougeyrollas-Schwebel D., Sonthonnax F. (1985).
Espace et temps du travail domestique. Paris, Librairie des Méridiens, collection Réponses Sociologiques.
DELPHY C. (1978). "Travail ménager ou travail domestique?", in Les femmes dans la societé marchande, Paris, PUF, pp. 39-54.
DONIOL-SHAW G., Junter-Loiseau A., Genestet V., Gouzien A., Lerolle A.(1989). Les plans d'égalité professionnelle. Etude-bilan. 1983-1988, Documentation Française, Paris.
GUILLAUMIN C. (1978). "Pratique du pouvoir et idée de Nature", Questions Féministes nº 2 (pp. 5-30) e 3 (pp. 5-28).
HARDING S. (1986), "L 'instabilité des catégories analytiques de la théorie féministe", Signs, voI. 11, na 4. Paro en français dans Futur Antérieur, nO5 4 e 5,1991.
HUMPHREY J. (1987), Gender and Work in the Third World. Sexual division in Brazilian Industry, London. Tavistock PubIications.
KERGOAT D: (1982), Les ouvrieres, Paris, Le Sycomore.
KERGOAT D. (1988), "Le syllogisme de Ia constitution du sujet sexué féminin. Le cas des ouvrieres spécialisées", in Les repports sociaux de sexe: problématiques, méthodologies, champs d'analyses, Paris, IRESCO,Cahiers de l' APRE, 7 vol. 1, pp. 283-291.
LE DOARÉ H. (1991), "Note sur une notion: le rapport social de sexe", Encrage, nº hors série, pp. 8-10.
MATHIEU N. C. (1991), L'anatomie politique, Paris, Côté-Femmes.
MILKMAN R. (1987), Gender at work: the Dynamics of Job Segregation by sex during World War II, Illinois, University of IIlinois Press.
SCOTT J. (1988), "Geme: une catégorie utile d' analyse historique", in Le genre de l'histoire, Les Cahiers du Grif, nºs 37-38, pp. 125-153.
Ouvrages collectifs: (1985), Le sexe du travail, Presses Universitaires de Crenoble. (1988), Les rapports sociaux de sexe: problématiques, méthodologies, champs d'analyses, Paris, IRESCO, Cahiers de l' APRE n° 7, 3 vol.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A prostituição é um modo de vida desejável?

Essa é uma tradução livre que eu fiz de um artigo publicado no jornal El Pais, da Espanha, em 2007, quando o tema da prostituição estava em debate no legislativo daquele país.

A realidade da prostituição na Espanha, e em muitos países da Europa, é distinta da realidade brasileira. Enquanto lá a maior expressão da prostituição é a que envolve imigrantes ilegais, no Brasil a realidade é marcada pela profunda desigualdade social e de gênero, que tem como expressões desta forma de exploração das mulheres a prostituição, o turismo sexual, o tráfico interno de mulheres e meninas, a prostituição nas estradas e portos, nos grandes centros urbanos, a indústria do lazer e entretenimento, além de sermos um país de origem do tráfico internacional de mulheres.

De todas as formas, o artigo a seguir apresenta elementos importantes para refletir sobre o assunto, lá e cá.

O artigo é de Amelia Valcárcel, catedrática de Filosofia Moral e Política da UNED, e membro do Conselho de Estado. Também assinam conjuntamente este artigo Victoria Sau, Celia Amorós, Teresa Gisbert, Rosa Cobo, Inmaculada Montalbán y Alicia Miyares.

A prostituição é um modo de vida desejável?

Ninguém gosta de falar da prostituição, nem tampouco que se faça visível em nossas vidas. Porém, muitas pessoas que não a colocam no horizonte do que é desejável para elas mesmas, não tem problemas em defender que a prostituição possa ser um modo de vida para “algumas” mulheres.

Mas, a prostituição é uma opção vital semelhante a qualquer outro trabalho? Certamente é um modo de vida para os “empresários do sexo” que buscam a normalização legal e social de seu dinheiro. Não deveríamos esquecer que a prostituição é o terceiro negócio em benefícios e que uma parte substancial deste negócio se assenta na “economia criminosa”. Está comprovado que ao redor do mundo da prostituição se produz um aumento do tráfico de drogas, da delinqüência e outros delitos.

A prostituição também é o modo de vida das máfias que traficam mulheres. É um fato que prostituição e tráfico de mulheres estão intimamente relacionados. Os dados são persistentes e dão conta de qual é o mapa de origem e social destas mulheres: na Espanha, mais de 90% das mulheres em situação de prostituição são imigrantes em situação irregular; mais de meio milhão de mulheres e meninas são vítimas deste fenômeno.

Este único dado – o volume do tráfico de seres humanos – serve para desbaratar qualquer pretensão de “honrabilidade” para traficantes e “empresários do sexo”. Hoje sabemos que sem tráfico de mulheres a prostituição na Espanha não seria um negócio. Poucas são, atualmente, as mulheres espanholas envolvidas na prostituição por vulnerabilidade ou exclusão social. A realidade é que, quando em uma sociedade aumentam os espaços de igualdade e o nível de vida, diminui drasticamente o número de mulheres do próprio país que se dedica à prostituição.

Vulnerabilidade, marginalização e pobreza são as causas que levam à prostituição, não suas conseqüências. A prostituição caminha com a feminização da pobreza. As mulheres do terceiro mundo vêm a nossos países devido à pobreza dos seus. Vêm ao primeiro mundo, alentadas ou enganadas pelas máfias de traficantes, para melhorar sua vida e, no entanto, acabam dentro da prostituição como horizonte vital. A maioria não sai deste mundo também pela pobreza, porque tem que manter e cuidar de sua família, porque tem que pagar dívidas àqueles que as estão explorando.

Busquemos onde busquemos, é a pobreza e o fato de estarem indefesas que vemos nos rostos de todas estas mulheres exploradas e traficadas. Regularizar a prostituição as ajudaria?

Holanda e Alemanha, que optaram por isso, estão comprovando que o tráfico e a prostituição clandestina têm se intensificado. Portanto, se o que se quer é ajudar a essas mulheres e não tornar as máfias respeitáveis, que não parece um objetivo sério de política alguma, o que deve ser feito é realizar programas de inclusão social, abordar políticas de igualdade que freiem ou evitem a vulnerabilidade, a pobreza e a marginalização. Este é o mundo real.

Mas, além disso, do fato de que a prostituição exista não decorre que deva continuar existindo. Vamos ao melhor dos mundos possíveis: pode-se argumentar que em um mundo ideal, sem exploração e sem tráfico, algumas mulheres poderiam livremente querer se prostituir. Por hora, esse mundo não existe, nem dá sinais no horizonte. Mas, ainda que chegássemos a esse improvável marco, se deveria recordar que nem sempre o consentimento legitima uma prática, nem muito menos a converte em um trabalho. As máfias, mas também algumas pessoas bem-intencionadas, insistem muito na vinculação de consentimento e trabalho. Não é demais relembrar que isso é uma falácia. Nunca que um modo de vida seja escolhido supõe que esse modo de vida seja automaticamente desejável. Pode, por exemplo, um indivíduo livre desejar ser escravo? Não podemos descartar isso. Isso converte a escravidão em uma prática recomendável? Com certeza não. A escravidão foi abolida e quando isso aconteceu muitos escravos choraram.

Nem sempre consentir, ou inclusive querer, legitima o que se faz, nem a quem se faz. O consentimento não converte uma grande variedade de atividades em trabalhos. A prostituição não é nenhum bom modelo de relação de trabalho, nem de relação entre homens e mulheres. Se considerássemos, por um instante, com seriedade, que modelo de relação trabalhista seria? Um que colidiria frontalmente com nossa normativa em matéria de direitos trabalhistas. Esse trabalho deveria ser aceito quando não aparecesse outro preferível em primeiro lugar? Haveria cursos de capacitação e reciclagem? Estas perguntas podem provocar até um sorriso, mas são severas e pertinentes. Os trabalhos são assim.

Há um estigma e ninguém pode negar, mas qualquer regulação transmitiria à sociedade uma mensagem equivocada, porque conteria uma dimensão pedagógica. A lei educa a cidadania. Desejamos educar nossas filhas e filhos apontando a prostituição com uma atividade aceitável? Desejamos transmitir a eles que comprar ou se vender é um modelo pertinente de relação entre os sexos? Podemos desejar isso e ao mesmo tempo manter uma noção mínima de cidadania e igualdade? Este breve texto nos leva a compartilhar as conclusões do informe proposto pela Comissão Mista Congresso-Senado dos Direitos da Mulher. Parece bastante acertado e prudente que esta Comissão, que escutou todos os argumentos e ouviu todas as posições, tenha definido por rechaçar que a prostituição seja um modo de vida desejável e aceitável.