terça-feira, 29 de junho de 2010

Um país de estupradores?

A África do Sul reage à epidemia de violência sexual

FÁBIO ZANINI
LAURA CAPRIGLIONE

"ELE SE LEMBRA, quando criança, de ler a palavra 'rape', estupro, em reportagens de jornal, tentando entender exatamente o que queria dizer, imaginando o que a letra p, sempre tão suave, estava fazendo no meio de uma palavra considerada tão horrenda que ninguém a falava em voz alta."
Assim como a letra p não parece se encaixar naquela palavra tão horrenda, o erudito David Lurie, professor de literatura que cai em desgraça, parece não se encaixar em seu país, dominado pela barbárie. Ele quer entender o que acontecera dias antes com sua filha Lucy, atacada por três homens no sítio em que vivia no interior da África do Sul.
Lurie é o personagem principal de "Desonra" (trad. José Rubens Siqueira, Companhia das Letras, 2000), o romance que deu ao sul-africano J.M. Coetzee (pronuncia-se "coutsía") seu segundo Booker Prize, o mais prestigioso das letras britânicas. O estupro da filha de Lurie simboliza ficcionalmente a onda de violência sexual que domina a África do Sul.
"Ele pensa em Byron", narra Coetzee, evocando o poeta romântico inglês da predileção de seu refinado personagem. "Entre as legiões de condessas e criadas em que Byron se enfiou havia sem dúvida aquelas que chamavam o ato de estupro. Mas sem dúvida nenhuma delas tinha por que temer terminar a sessão com a garganta cortada."

FORA DA FICÇÃO Mais de dez anos depois da publicação do romance de Coetzee, o temor de ser estuprada e terminar com a garganta cortada não é exatamente uma situação ficcional. A poucos dias do início da Copa do Mundo, a ministra sul-africana das Mulheres, Juventude e Pessoas com Deficiências, Noluthando Mayende-Sibiya, fez um discurso inflamado na Cidade do Cabo. O objetivo era um só: advertir que o governo não toleraria episódios de violência sexual durante o campeonato.
Militante histórica do partido de Nelson Mandela, o Congresso Nacional Africano (CNA), Mayende-Sibiya, anunciou uma série de medidas contra a violência sexual: iluminação e limpeza dos locais potencialmente perigosos, campanhas de vigilância comunitária, policiamento preventivo, e criação de centros para acolher e cuidar de vítimas.
Também foi anunciada a construção de um parque no local em que foi encontrado, em janeiro, o cadáver decomposto de Masego Kgomo, no distrito de Soshanguve, a 45 km de Pretória, a capital administrativa da África do Sul. A ministra prometeu uma estátua em homenagem a Masego.
Aos 10 anos, ela foi sequestrada, torturada, estuprada e assassinada por um grupo de jovens negros. Segundo a polícia, uma sangoma, curandeira tradicional, teria estimulado o ataque.

CAMPEÃO MUNDIAL Um relatório publicado pela ONU em 2002, com dados de 50 países, confere à África do Sul o vergonhoso título de campeão mundial de estupros. Logo depois vêm Canadá, EUA, Nova Zelândia e Suécia. É preciso cautela ao analisar esse tipo de dado: eles podem significar, por exemplo, que as mulheres desses países se sentem mais à vontade para dar parte na polícia. Os números sul-africanos, no entanto, são eloquentes.
Uma pesquisa patrocinada pelo próprio governo sul-africano mostrou que, em 2007, houve 75,6 estupros por grupo de 100 mil habitantes -cinco vezes o registrado na cidade de São Paulo. Nos 12 meses contados a partir de abril de 2008, foram mais de 70 mil queixas de crimes sexuais, aumento de 10,5% em relação ao período anterior.
Calcula-se que sejam muito mais, pois é comum que as vítimas de estupro se recusem a prestar queixa. Segundo a organização não-governamental Pessoas contra o Abuso de Mulheres, apenas um em cada nove estupros na África do Sul é denunciado à polícia. Entre eles, apenas 7% terminam em condenação.

Índices mais chocantes dão conta de um estupro a cada 30 segundos no país, ou 1,2 milhão de estupros por ano. Uma pesquisa divulgada no ano passado pelo Conselho de Pesquisa Médica da África do Sul, com base em entrevistas com 1.738 homens, aponta que um em cada quatro homens das Províncias de KwaZulu-Natal e do Cabo Oriental estaria envolvido em agressões sexuais, entendidas como sexo não consentido ou tentativa.

LENIÊNCIA OFICIAL Rachel Jewkes e Naeema Abrahams, pesquisadoras do Grupo de Gênero e Saúde do Conselho de Pesquisa Médica, em Pretória, tentam explicar por que, afinal, esse tipo de violência tornou-se uma epidemia na África do Sul.

Segundo elas, existe um caldo cultural permissivo -a polícia pouco prende, a Justiça pouco age e a sociedade ainda desconfia que a vítima deu margem para ter sido estuprada. As pesquisadoras também relatam rastros de corrupção na polícia: "Quando, apesar de tudo, as denúncias são feitas, não é raro a polícia, em troca de uns trocados, 'perder' documentos e laudos que comprovam o crime".

Em Gauteng, Província onde ficam Johannesburgo e Pretória, somente 17,1% das queixas de estupro resultam em julgamento -e apenas 6% em condenação. A leniência oficial termina por desencorajar novas denúncias, num círculo vicioso de impunidade.

É comum a própria polícia abandonar o caso, em geral, por deficiência na investigação. Em 78,4% das queixas, segundo o estudo "Tracking Justice" (Acompanhando a Justiça), feito a partir de boletins de ocorrência, o policial nem sequer pediu à vítima que descrevesse o agressor. Em 52,3% dos casos, o agressor jamais foi localizado.

Em entrevista à Folha, Bashir Hoosain, diretor-geral de Segurança e Proteção da Província do Cabo Oriental, admite que há problemas na coleta de provas e no trato com as vítimas. "Temos procurado aproximar a polícia da comunidade, trazendo pessoas para dentro das delegacias para debater conosco os problemas", diz ele. "O número de mulheres policiais também cresceu."

REAÇÃO ARMADA - A alegada tolerância em relação ao crime, numa sociedade já violenta após décadas de regime colonial e apartheid, teria gerado uma cultura do estupro.

Qualquer turista em Johannesburgo se impressiona com as ameaçadoras placas fixadas na fachada das casas: invariavelmente, fala-se em "reação armada". O assalto a residências está entre os principais medos na cidade, e em 90% dos casos os bandidos aproveitam para estuprar as moradoras, segundo a polícia local.

A impressão de impunidade, dizem as pesquisadoras, também facilita o surgimento das gangues de jovens que estupram e matam, que ficaram tristemente famosas na Cidade do Cabo no final do século 20. Mais do que na vítima, o foco dos agressores está nos cúmplices. A observação do ato funciona como rito de iniciação à vida adulta.

Um diálogo entre David Lurie, o personagem de J.M. Coetzee, e sua filha, estuprada por dois homens e um jovem, sintetiza o funcionamento das gangues: "Um excitava o outro. Deve ser por isso que fazem juntos. Como cachorros em bando". O pai então pergunta: "E o terceiro, o rapaz?". Lucy responde: "Estava lá para aprender".

Assim como aconteceu com Lucy em "Desonra", grande parte dos estupros ocorre dentro de casa. Há dois anos, o estudo "Tracking Justice" mostrou que em 25% dos casos o responsável é parente, namorado ou ex-namorado da vítima. Casos como o de Letta Majas, 39, moradora da favela de Alexandra, em Johannesburgo, são comuns.

"Toda sexta, meu namorado ia direto do trabalho para o bar", conta ela. "Chegava em casa às 23h, querendo sexo. Um dia, eu recusei, porque não queria dividir a cama com um bêbado de cerveja. Ele respondeu que era porque eu estava saindo com outro homem. Me jogou contra uma parede, me chutou e me estuprou."

Em Johannesburgo, há dezenas de "casas seguras" para mulheres como Letta, que não podem voltar para casa -ou serão estupradas. Em Alexandra, a Bombani Safe House funciona atrás de muros altos e arame farpado. A preocupação é com a privacidade de suas "clientes". Mais do que um eufemismo, a nomenclatura é uma tentativa de reduzir o estigma da vítima.

CURANDEIRISMO - Quando a epidemia de Aids explodiu na África do Sul, chegou-se a sugerir uma explicação "mágica": o surto de estupros de adolescentes seria ligado à crença de que o sexo com "virgens puras" poderia "limpar" o sangue de quem com elas se relacionasse. Rachel Jewkes e Naeema Abrahams têm uma explicação mais pragmática: "O mais provável é que os estupradores acreditem que, atacando uma virgem, tenham menos chances de contrair o vírus HIV".
Uma juíza que já atuou em vários casos baixou a voz para dizer à Folha em um restaurante de Johannesburgo: "Ninguém quer falar sobre isso, mas é terrível o envolvimento de curandeiros e curandeiras nesse tipo de crime. Ou praticam diretamente, ou pedem que outros o façam, a fim de aumentar seus supostos poderes". Segundo ela, o assunto virou tabu porque essas práticas religiosas pertencem à reclusa esfera da vida levada segundo os ditames tradicionais.

Até 2004, o então presidente sul-africano, Thabo Mbeki, da etnia xhosa, acusava de "racista" a estridência mundial a respeito da violência sexual no país. Em artigo publicado no site do Congresso Nacional Africano, ele escreveu: "Dizem que nossa herança africana na cultura, tradições e religiões faz de cada homem africano um potencial estuprador. É um ponto de vista que define todo o povo africano como selvagens bárbaros".

Mbeki investia contra a jornalista branca Charlene Smith -ex-militante antiapartheid, ela mesma estuprada em 1999 durante assalto a sua casa-, que escreveu no jornal "Sunday Independent" o artigo "O estupro tornou-se uma forma repugnante de vida em nossa terra".
Mbeki respondeu que, por trás das denúncias da epidemia de estupros na África do Sul, não existiria nada além da velha repetição dos estigmas que os colonizadores brancos e europeus sempre quiseram colar na pele negra. Segundo ele, o povo negro seria visto como um bando de "preguiçosos, mentirosos, de odor fétido, doentes, corruptos, violentos, amorais, sexualmente depravados, animalescos, selvagens -e estupradores".

A perigosa relação entre identidade nacional e barbárie já surgiu em outros contextos históricos e culturais. Depois do Holocausto, ainda há quem queira associar, por exemplo, os alemães a nazistas em potencial. Não há dúvida, porém, de que reuniram-se na Alemanha do Terceiro Reich condições específicas (algumas essencialmente culturais) que levaram o povo alemão à barbárie nazista. O que não significa afirmar que a barbárie esteja na identidade nacional alemã.

A ideia de "cada homem africano como um estuprador potencial" reaparece, com sinal invertido, no relatório "Qualquer um pode ser um estuprador", do Centro de Estudos da Violência e Reconciliação. O texto procura entender os fatores individuais, de relacionamento, comunitários e sociais que levam o país a se tornar campeão dos crimes sexuais.
Quando todos os fatores se conjugam, aí sim, "qualquer um pode se tornar um estuprador". Em qualquer país.

NEGACIONISMO - O então presidente Mbeki não negou apenas o problema do estupro. Sua mais famosa negação foi em relação à proliferação da Aids no país, que não passaria de invenção da indústria farmacêutica.

Citando uma tese do pesquisador americano Peter Duesberg, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e da Academia Nacional de Ciências dos EUA, ele sustentava que o vírus HIV não seria o causador da AIDS. A deficiência imunológica característica da doença seria uma decorrência da fome e dos problemas crônicos da saúde sul-africana -herança maldita do apartheid.

Em novembro de 2008, sem políticas de prevenção ou tratamento, a África do Sul bateu nos 365 mil mortos por Aids, 60% dos quais mulheres. Hoje, o vírus está no sangue de mais de 5 milhões de sul-africanos (a população é de 48 milhões).

O hospital Baragwanath, no bairro de Soweto, em Johannesburgo, é um gigante com mais de 4 mil leitos, considerado o maior da África. Lá, ainda não se atendem casos de estupro que não sejam acompanhados por lesões físicas graves: "O estupro é um problema menor para ser tratado aqui", disse o relações-públicas à reportagem da Folha, na semana passada. Muitos profissionais de saúde no país não veem a violência sexual como uma questão de saúde pública, embora ela acompanhe os índices de infecção por HIV.
Nas macas encostadas nas paredes de tijolinhos do pronto-socorro viam-se apenas pacientes negros -vários deles esqueléticos, com as feridas características dos doentes de Aids sem tratamento.

SURPRESA E, no entanto, quando este texto é escrito, já se passaram 12 dias do início da Copa do Mundo. Todas as nove cidades-sede receberam 220 mil torcedores e turistas, fluxo várias vezes maior do que o habitual. E não se ouviu falar em onda de estupros.
A enfermeira Smangele Zulu, funcionária da clínica Zolach, em Soweto, especializada em primeiros socorros, arrisca uma hipótese: "Realmente está mudando o tratamento dispensado ao agressor e à vítima nos casos de estupro -mais rigor para o predador, mais acolhimento para a vítima". "Smangele" significa "surpresa" na língua tribal.
As políticas negacionistas em relação à Aids e ao estupro sofreram o seu maior revés numa trapalhada do zulu Jacob Zuma, presidente do país e polígamo (com três mulheres, 20 filhos e algumas namoradas). Em 2005, quando era o vice-presidente de Mbeki, Zuma foi acusado de estuprar uma mulher de 31 anos, soropositiva e amiga de longa data de sua família. Levado aos tribunais, Zuma disse que, sim, tivera relações sexuais com a mulher, mas por iniciativa dela. Acabou absolvido em 2006.

No tribunal, o promotor quis saber se Zuma havia usado preservativo. "Não." Perguntou-se então se o acusado não tivera medo de contrair o vírus da Aids. "Não, não havia risco, porque tomei uma ducha logo depois."

As organizações de prevenção à Aids e as feministas não demoraram a acusar Zuma de "irresponsável". Mas, depois do caso, viu-se que a necessidade do uso de preservativos jamais tinha sido tão discutida na África do Sul como naquela época.

Na disputa pelo controle do Congresso Nacional Africano, um fragilizado Zuma, às voltas com denúncias de corrupção, concordou em fazer uma composição política original: entregou 43% dos ministérios a mulheres, para conseguir o apoio de mais da metade do eleitorado sul-africano. O resultado imediato da manobra foram mulheres em situação de muito mais poder do que jamais na história sul-africana. E o fim do negacionismo.

REAÇÃO O enterro da menina Masego Kgomo, em 16 de janeiro, contou com a presença da ministra da Mulher, Noluthando Mayende-Sibiya, da vice-ministra do Desenvolvimento Econômico, Gwen Mahlangu Nkabinde, do secretário da Província de Gauteng para a Segurança da Comunidade, Khabisi Mosunkutu, e da prefeita da cidade de Tshwane, Gwen Ramokgopa.

No cemitério Zandfontein, logo depois do popular Solly Moholo cantar uma canção gospel, seguida de hinos religiosos entoados pelo coral da escola onde Masego estudava, o secretário Mosunkutu repreendeu a comunidade. "Por que as pessoas que viram a menina gritar não fizeram nada?", perguntou ele. "Como é possível que o dono do bar aonde os agressores levaram uma menina de 10 anos não tenha percebido nada de errado?"

A mudança veio quando Mosunkutu condenou os assassinatos relacionados ao curandeirismo: "Tem gente se escondendo atrás da nossa cultura para perpetrar atos criminosos. Precisamos deixar claro que a nossa cultura não tem nada a ver com pedaços de corpos humanos para rituais 'muti'", disse ele, referindo-se a "trabalhos" religiosos. "Isso não passa de criminalidade."
Corando, a prefeita de Tshwane, Gwen Ramokgopa, disse que é necessária a colaboração dos curandeiros tradicionais "corretos", para que sejam extirpados aqueles que cometem crimes em nome dos rituais "muti".

Não faltam tentativas canhestras de resolver o problema, como a campanha oficial "Masturbe-se, Não Estupre!", lançada em 2007, ou a "camisinha antiestupro", curioso invento da médica Sonnet Ehlers. O apetrecho é dotado de pequenas lâminas que supostamente ferem o agressor e inviabilizam a conclusão do ato - embora sua eficácia ainda esteja longe de ter sido comprovada.

O que está claro é que há uma reação institucional. Em junho de 2009, Mayende-Sibiya fez questão de levar sua solidariedade à família de Nadine Jantjies, menina de 7 anos que foi violentada e morta pelo tio, Manfred Swartz, que confessou o crime.

Na ocasião, a ministra Mayende-Sibiya disse: "Trago a mensagem de que este governo não tolerará mais crimes de violência sexual. E que trabalharemos para que a Justiça se faça da forma mais rápida possível."


Fonte: Folha de S.Paulo

terça-feira, 15 de junho de 2010

Intervenção contra a legalização da prostituição no Brasil!!!



No dia em que estava acontecendo a abertura da principal paixão mundial, A COPA DO MUNDO!, militantes da Marcha Mundial das Mulheres de Mossoró, no Rio Grande do Norte, fizeram uma colagem de cartazes pela cidade pelo fim da          prostituição, motivadas por este que é  um dos principais responsáveis pelo aumento da submissão e opressão das mulheres nos países em que o mundial é realizado.
  Nos países que ocorre a copa do mundo existe uma pressão para que a as casas de prostituição sejam legalizadas como casa de entretenimento, e assim as mulheres torne-se, cada vez mais, objeto de uso   dos homens que viajam a esses países.
 E é por entender que precisamos de um País livre de toda forma de violência e dominação sobre o corpo e a vida das mulheres que essas militantes da Marcha fizeram a colagem, também já pensando em 2014, quando a Copa do Mundo estará em nosso país.
 É com essa iniciativa que a Marcha Mundial das Mulheres quer mostrar para a sociedade que um evento tão importante para a nação e que traz felicidade e orgulho para todas/os as/os cidadãs/ões não pode ser transformado num momento de vergonha e angústia para as nossas mulheres, adolescentes e crianças.

                                          '' Punição para os usuários de prostituição já!! ''

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Plataforma das Juventudes para as Eleições de 2010



Cerca de cinco mil jovens de todo o Brasil estiveram reunidos entre os dias 3 e 6 de junho no I Festival das Juventudes de Fortaleza, no Ceará. O festival contou com a presença de jovens de diversos movimentos, que debateram as experiências das diferentes formas de organização das juventudes.

Com representantes de todo o Brasil, e com a presença de Rocio Alorda, companheira do Chile, a Marcha Mundial das Mulheres realizou o debate "Mercantilização da Vida e do Corpo das Mulheres", em que as jovens expuseram como o capitalismo estrutura a desigualdade social e mercantiliza nossos corpos e vidas, transformando as mulheres em mercadorias. Segundo Caroline Bernardo, militante da MMM no Pará, com essa atividade muitas meninas tiveram a oportunidade de “incorporar o debate que mais aproxima as jovens da Marcha: que é a legalização do aborto, a mercantilização do corpo e da vida das mulheres, e a violência doméstica e familiar contra as mulheres”.

Para Adriana Vieira, militante da MMM no Rio Grande do Norte, o festival cumpriu um importante papel para o conjunto da juventude da América Latina, pois conseguiu mostrar que a realidade da juventude é bem semelhante em várias partes do mundo, “se temos problemas comuns por que não construirmos soluções, alternativas comuns, também em conjunto?”, questiona.


A Marcha Mundial das Mulheres realizou ainda uma oficina da Batucada Feminista que contou com a participação de jovens da Marcha e de outros movimentos, mostrando que só é possível conquistar militantes e transformar o mundo com muita irreverência. O público do festival teve também a oportunidade de conferir mais uma apresentação da Fuzarca Feminista junto à banda O Teatro Mágico.


Por fim, conseguimos aprovar a plataforma das juventudes para as eleições 2010 com grandes avanços políticos. O debate da legalização do aborto, por exemplo, foi inserido na plataforma mesmo com manifestações contrárias da juventude mais conservadora. Para nós, da Marcha Mundial das Mulheres, esse tema é central e mostra que o conjunto dos movimentos percebe a importância dessa pauta para garantir a igualdade e autonomia das mulheres.

Confira abaixo a plataforma da Juventude para as eleições 2010 aprovada em plenária final.

Plataforma das Juventudes para as Eleições de 2010:

A Plataforma que apresentamos aqui é resultado da construção coletiva do conjunto dos movimentos, redes e organizações juvenis que subscrevem esse documento. São organizações que possuem suas bandeiras e propostas para alterar a realidade vivida pela maioria da juventude brasileira.

A unificação dessas bandeiras diversas em uma Plataforma é expressão do nosso desejo mais profundo de avançar rumo as transformações que a juventude e o povo brasileiro precisam.
Levando-se em consideração que as demandas da juventude são indissociáveis, devemos garantir:


Fortalecer a Política Institucional de Juventude
1. Aprovação do PEC da Juventude;
2. Aprovação do Estatuto da Juventude;
3. Aprovação do Plano Nacional de Juventude;
4. Organização de conferências de juventude de 2 em 2 anos (anos não eleitorais), de forma piramidal (município, estado, união), que tenha como objetivo aprovar planos de juventude ou atualizá-los e legitimar conselhos de juventude nas três esferas;
5. Constituir um sistema nacional de políticas de juventude que enraize a política nacional de juventude para estados e municípios, financiado por um fundo público que garanta recursos para seu funcionamento.
6. Ratificação da Convenção Iberoamericana de Direitos da Juventude

Ampliar o papel redistributivo do Estado
7. garantir a manutenção da política de valorização do salário mínimo no longo prazo e aprovação da legislação;
8. elaborar, com participação popular, uma política progressiva de desmercantilização dos serviços essenciais para a população;
9. Fortalecimento e Ampliação da Política de Prevenção ao HIV/Aids e da Política de Redução de Danos;
10. Ampliação da participação juvenil no fortalecimento do SUS;
11. Consolidar em lei o SUAS – Sistema Único de Assistência Social; os programas de transferência de renda e outros avanços na área social, transformando-os em direitos de cidadania e em políticas de Estado;
12. Ampliar a oferta de equipamentos públicos voltados para o compartilhamento do trabalho doméstico e de cuidados com a família;

Implementar uma política urbana que promova o direito à cidade
13. Redefinir fontes de recursos possibilitando implementar a gratuidade no sistema de transporte público para jovens estudantes e desempregados em geral, de forma a não penalizar os usuários do transporte público;
14. incorporar os princípios e conceitos de cidades sustentáveis nas 12 (doze) sedes da Copa do Mundo de 2014 e na sede da Olimípiada de 2016, enfatizando construções sustentáveis e o transporte coletivo de massa;
15. Reformar espaços poliesportivos públicos, descentralizados, levando em conta a preferência dos jovens pela prática de esportes radicais ou de aventura;
16. Ampliar e qualificar os programas e projetos de esporte e lazer em todas as esferas públicas, enquanto política de Estado, tais como os programas esporte e lazer da cidade, bolsa atleta e Segundo Tempo com núcleos nas escolas, universidades e comunidades;
17. Desenvolver uma política de habitação de interesse social que proporcione financiamento de moradias para jovens;
18. Formulação dos planos de saneamento ambiental, nas três esferas de governo, de forma participativa;
19. Garantir 1% do orçamento nacional para o esporte e lazer e 2% para investimentos na cultura;
20. Ampliar o Projeto Cultura Viva - Pontos de Cultura, do MinC;
21. Implantar Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), articulando as polícias dos três níveis de governo, aplicando conceito de segurança cidadã;
22. Garantir a participação dos movimentos de juventude nos conselhos de segurança pública, já que os e as jovens são as principais vitimas dos diversos tipos de violência;
23. Estabelecer política de prevenção de violência contra a população jovem, especialmente aquela em situação de rua, incluindo ações de capacitação de policiais em Direitos Humanos ;
24. Acrescentar o tema juventude como pauta no próximo Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas;

Garantir a dimensão da sustentabilidade ambiental nas políticas de desenvolvimento
25. Criar uma política de Juventude e Meio Ambiente, institucionalizada em PPA, bem como a Agenda 21 da juventude, que fortaleça os movimentos juvenis no enfrentamento à grave crise ambiental global e às mudanças climáticas;
26. Viabilizar matriz energética sustentável, alterando hábitos e padrão de consumo, descentralizando a produção e distribuição, com destaque para os modelos de energia renováveis:
a. Privilegiar e fomentar o uso de energia solar e eólica;
b. Criar políticas para redução do consumo do petróleo;
c. Incentivar a co-geração e descentralização do gás natural;
27. Garantir a transição para uma sociedade mais sustentável e uma economia de baixo carbono e que a possibilidade de uma “economia verde” mantenha postos de trabalho e meios de vida decente para todos;

Valorizar a educação como direito inalienável de todos e todas, em todos os níveis
28. Garantir as condições necessárias para a efetiva implantação do Plano Nacional de Educação que compreende o período entre os anos de 2011 a 2020, conforme aprovado na 1ª Conferência Nacional de Educação, com especial atenção a:
a. A implantação de todas as diretrizes que prevêem a melhoria da qualidade do ensino, gestão democrática e avaliação;
b. O pleno funcionamento do Fórum Nacional da Educação para garantir a mais ampla participação nos processos de elaboração das políticas educacionais;
c. A viabilização do Sistema Nacional Articulado de Educação;
d. A destinação de 50% do Fundo Social do Pré-sal, para financiamento da educação, ampliando os investimentos já previstos em 1% do PIB ao ano, chegando-se em 7% até 2011 e em 10% até 2014;
e. A ampliação do acesso, permanência e sucesso escolar em todos os níveis e modalidades de ensino: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio regular, ensino médio técnico profissionalizante, ensino tecnológico e ensino superior, além da modalidade de educação de jovens e adultos.
29. Garantir a efetiva implantação das Políticas de valorização dos profissionais em educação: implementação imediata do piso salarial profissional nacional, política de carreira e jornada; e entrada via concurso público;
30. Criar e implementar políticas e mecanismos de regulação pública do sistema privado de ensino como condição para se reverter a relação público/privado no modelo atual da educação brasileira;
31. Disseminar a utilização dos sistemas braile, tadoma, escrita de sinais e libras tátil para inclusão das pessoas com deficiência em todo o sistema de ensino;
32. Destinação de 14% dos recursos para as universidades federais e estaduais. exclusivamente para as políticas de assistência estudantil e extensão da assistência aos estudantes do Prouni;
33. Avançar na formulação e implantação de políticas ou programas que visam integrar as ações de ensino, entre as diferentes esferas governamentais, com trabalho, esporte, cultura, lazer, entre outras;
34. Criar e implementar políticas que possibilitem a ampliação do número de creches e escolas municipais de educação infantil no regime de período integral, cumprindo a meta estabelecida no II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres;Garantia de bolsa-auxílio para os e as alunos/as da rede de ensino superior pública;
35. Garantia do Sistema de Cotas para os alunos da rede pública, indígenas e afrodescendentes;
36. Implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

Valorizar o trabalho e promover o tempo livre
37. Implementar uma política nacional de promoção do trabalho decente para a juventude, formulada com participação dos movimentos sociais juvenis;
38. Redução da jornada de trabalho de 44h para 40h semanais sem redução salarial;
39. Garantir a organização de jornadas de trabalho que permitam o acesso e a permanência de jovens trabalhadores/as e estudantes na educação básica, profissional e superior, ou que garantam seu retorno às atividades escolares;
40. Proibir o uso de horas extras aos/às trabalhadores/as jovens;
41. Exercer ações de fiscalização e cumprimento da contratação de aprendizes por todos os estabelecimentos obrigados a cumprir a cota conforme a Lei;
42. Intensificar ações de fiscalização da contratação de estágios, conforme os marcos legais;
43. Aplicar a Convenção 138 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre idade mínima para ingresso no mercado de trabalho e a Convenção 182 sobre priores formas de trabalho, garantindo mecanismos e políticas para erradicação do trabalho infantil;
44. Aplicar a Convenção 140 da OIT, garantindo a concessão de licença remunerada aos trabalhadores/as para fins de estudos e qualificação profissional por tempo determinado;
45. Crédito para a juventude e construção de um marco legal que viabilize o cooperativismo e a economia solidária;

Melhorar as condições de vida da juventude no campo
46. Garantir o acesso a terra ao jovem e à jovem da aérea rural, na faixa etária de 16 a 32 anos, independente do estado civil, por meio de reforma agrária, priorizando este segmento nas metas do programa de reforma agrária do Governo Federal, atendendo a sua diversidade de identidades sociais e, em especial aos remanescentes de trabalho escravo;
47. Assentamento imediato das famílias acampadas;
48. Ampliação dos Programas de Crédito destinados à aquisição de terras para a juventude rural, acompanhados de programas que garantam a apropriação de novas tecnologias e de novo crédito especial;
49. Revisão dos índices de produtividade e o estabelecimento do limite da propriedade para 35 módulos fiscais;
50. Apoiar a criação de agroindústrias cooperativadas e consolidação de uma nova matriz tecnológica que priorize a agro ecologia, em detrimento do uso de agrotóxicos;
51. Resgatar e fortalecer o ensino em escolas técnicas agrícolas, nos níveis fundamentais e médio, através da melhoria das escolas existentes e da criação de novas escolas;
52. Garantir a participação obrigatória de representantes dos movimentos sociais do campo nos Conselhos de acompanhamento dos recursos do FUNDEB;
53. Criar uma política de financiamento especial para a educação do campo que considere as especificidades da população rural;
54. Elaborar, distribuir e avaliar os materiais didáticos específicos para a educação do campo;
55. Garantir merenda escolar de qualidade, articulada com organizações locais de agricultura familiar e da pesca artesanal, no fornecimento de produtos;
56. Incorporar a educação do campo nos Planos Municipais de Educação, assegurando a participação dos movimentos sociais no planejamento e acompanhamento da sua execução;
57. Reconhecer e financiar as escolas dos acampamentos (escolas itinerantes), dos assentamentos e dos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) e fortalecimento e ampliação do PRONERA;
58. Garantir transporte escolar público, gratuito e seguro;
59. Aprovação do Estatuto Indígena;
60. Proteger os povos indígenas isolados e de recente contato para garantir sua reprodução cultural e etnoambiental e assegurar a integridade das terras indígenas;
61. Garantir o acesso à educação formal pelos povos indígenas, bilíngue e com adequação curricular formulada com a participação de representantes das etnias, indigenistas e especialistas em educação;
62. Assegurar o acesso e permanência da população indígena no ensino superior, por meio de ações afirmativas e respeito à diversidade étnica e cultural.

Promover a igualdade
63. Transformar em políticas públicas as propostas apresentadas pelo Encontro Nacional da Juventude Negra (ENJUNE);
64. Aprovar o Estatuto da Igualdade Racial em sua forma original;
65. Fortalecer a integração e execução das políticas públicas para todas as comunidades remanescentes de quilombos localizadas no território brasileiro;
66. Elaborar e implementar programas de combate ao racismo institucional e estrutural, implementando normas administrativas e legislação nacional e internacional;
67. Implementar uma política de combate ao genocídio da população negra, com ênfase em barrar o extermínio da juventude negra;
68. Transversalizar a política de respeito à orientação sexual e identidade de gênero nas políticas de juventude;
69. Aprovar o Projeto de Lei que criminaliza a homofobia: PLC 122/2005;
70. Aprovar a união civil entre pessoas do mesmo sexo;
71. Desenvolver ações afirmativas que permitam incluir plenamente as mulheres jovens no processo de desenvolvimento do País, por meio da promoção da sua autonomia econômica e de iniciativas produtivas que garantam sua independência.
72. Implementar políticas públicas de promoção dos direitos sexuais e direitos reprodutivos das jovens mulheres, garantindo mecanismos que evitem mortes maternas, aplicando a lei de planejamento familiar, garantindo o acesso a métodos contraceptivos;
73. Descriminalização do aborto e regulamentação do atendimento a todos os casos no serviço público evitando assim a gravidez não desejada e a morte de centenas de mulheres, na sua maioria pobres e negras, em decorrência do aborto clandestino e da falta de responsabilidade do Estado no atendimento adequado às mulheres que assim optarem.
74. Combater a violência contra as mulheres, com implementação da Lei Maria da Penha e fortalecimento do Pacto Nacional de Enfretamento à Violência contras as Mulheres;
75. Promover a acessibilidade para jovens com deficiência, no ambiente físico, na comunicação e na informação, nos transportes e em políticas de ação afirmativa e de superação da pobreza, no âmbito da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU em 13 de dezembro de 2006, ratificada pelo Brasil e alçada à categoria de emenda constitucional;
76. Garantir aos e às jovens com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação.
77. Assegurar o cumprimento do Decreto de Acessibilidade (Decreto nº 5.296/2004), que garante a acessibilidade pela adequação das vias e passeios públicos, semáforos, mobiliários, habitações, espaços de lazer, transportes, prédios públicos, inclusive instituições de ensino, e outros itens de uso individual e coletivo.

Democratizar os meios de comunicação e promover a inclusão digital
78. Garantir a implementação das propostas aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação – CONFECOM, realizada em 2009;
79. Implantar novo marco regulatório para o Sistema de Comunicação no Brasil, com ênfase no interesse público e na garantia de direitos humanos, para acesso, produção e meios de distribuição de conteúdo:
a. Estabelecer critérios democráticos e transparentes para concessões, renovações e financiamento, e maior agilidade nos processos;
b. Garantir mecanismos de fiscalização, com controle público e participação popular, em todos os processos de outorgas;
c. Universalizar o uso da banda larga – transformando-a em serviço prestado em regime público com o uso do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação);
d. Implantar políticas de inclusão digital e de acessibilidade;
e. Fortalecer o sistema público;
f. Incentivar as rádios e TVs comunitárias e a produção independente;
g. Criar o Conselho de Comunicação Social vinculado ao Executivo, para que tenha caráter deliberativo e autonomia em todos os âmbitos do Estado;
h. Formular uma Lei de Imprensa que normatize o setor, com espaço ao contraditório e direito de resposta como instrumento democrático;
80. Abertura de salas de cinema e de produção multimídia descentralizadas gratuitas;
81. Proibir o “jabá” e implementar políticas de apoio à música livre e às rádios comunitárias;

Estado democrático com caráter público e participação ativa da sociedade
82. Implementar o PNDH – 3 – Programa Nacional de Direitos Humanos, garantindo políticas públicas efetivamente includentes, com equidade e respeito à diversidade;
83. Instituir o Orçamento Participativo Federal como política de governo para que a população decida as prioridades orçamentárias;
84. Ampliar o controle social sobre o Estado, com a institucionalização das Conferências Nacionais e ampliação da capacidade de formulação e deliberação dos diversos conselhos sobre as políticas de governo;
85. Regulamentar o Art. 14 da Constituição Federal, que trata de plebiscitos e referendos, garantindo o poder do povo de decidir sobre questões de interesse nacional;
86. Efetuar reforma política democrática, com participação popular e parlamento eleito sob regras mais democráticas, com financiamento público – recursos igualmente divididos entre homens e mulheres -, fidelidade partidária, fim do caráter revisor do Senado e com enfrentamento do poder econômico privado nas eleições;

Assinam as seguintes redes, fóruns e entidades:
CUT – Central Única dos Trabalhadores
UNE – União Nacional dos Estudantes
MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PJ – Pastoral da Juventude do Brasil
MMM – Marcha Mundial das Mulheres
UBES – União Brasileira de Estudantes Secundaristas
MPB – Movimento Música Para Baixar
Fonajuves - Fórum Nacional de Movimentos e Organizações Juvenis
Rede Sou de Atitude
Fórum Estadual de Juventude do Rio de Janeiro
Movimento Hip Hop Organizado - MH²O
MNU
– Movimento Negro Unificado

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Moção de Repúdio ao Estatuto do Nascituro

A Marcha Mundial das Mulheres repudia com indignação o Projeto de Lei (PL) de autoria do Deputado Luiz Bassuma (PV-BA) e Miguel Martini (PHS-MG), que propõe instituir o Estatuto do Nascituro. O PL passa a considerar sujeito pleno de direito o óvulo fecundado, ou seja, o concebido e não nascido passa a ter mais direitos do que a mulher.

Tal PL pretende ainda legalizar, a violência sexual, especialmente o estupro que sofrem as mulheres. Tornando inadmissível o aborto conseqüente desta violação e instituindo o pagamento de auxilio para sustentação do nascido até os 18 anos. A “Bolsa Estupro”, como é conhecida pelos movimentos de mulheres, reforçará que a punição recairá sobre a própria mulher. A bolsa terá que ser paga pelo agressor e caso não o faça o ônus recairá sobre o Estado.

Afora a hipocrisia, se destaca a pretensão do legislador em querer determinar quando começa a vida, coisa que nem a ciência ousou fazer. Ao analisar os dispositivos desta proposta cai por terra o discurso de “proteção da vida”, pois não se vê nada além do que já tratam as legislações vigentes, sobre direitos de personalidade, direito de saúde e patrimoniais dos recém nascidos.

Caso aprovado fica proibido ainda qualquer manifestação que trate do assunto Aborto, cerceando o direito do debate quesito fundamental na democracia.

Entendemos que a proposta do “Estatuto do nascituro” deve ser rechaçada, pois ela significa mais um dos ataques dos conservadores, machistas e opressores:

- Condena as mulheres à submissão, mantendo-as expostas à violência;

- Reflete a omissão do legislativo diante do aborto como elemento de preservação da vida das mulheres e de garantia da autonomia;

- Golpeia a democracia, a igualdade e a justiça, atingindo bens e valores construídos historicamente.

O avanço rumo à aprovação do chamado “Estatuto do Nascituro”, deve ser visto como ameaça aos direitos das mulheres. Nele, estão reunidas as pautas mais retrogradas e de submissão, ostentadas pelo patriarcado e as instituições que o perpetuam, ao longo dos séculos: controle sobre o corpo das mulheres, a institucionalização da violência sexual e o domínio sobre o destino das mulheres.

Direito ao nosso corpo. Legalizar o aborto!

Marcharemos até que todas sejamos inteiramente LIVRES!

MARCHA MUNDIAL DAS MULHERES

A fala e o fato: bola, machismo e violência contra as mulheres

As declarações de Felipe Melo, jogador da seleção brasileira de futebol, durante coletiva de imprensa no último dia 31, ao direcionar suas críticas à bola que será utilizada na Copa do Mundo de Futebol de 2010, explicitou o machismo e uma visão de naturalização da violência contra as mulheres. Nas palavras do jogador: "A outra bola é igual a mulher de malandro: você chuta e ela continua ali. Essa de agora é igual patricinha, que não quer ser chutada de jeito nenhum."

Para todos e todas nós que defendemos uma sociedade com igualdade entre homens e mulheres; livre da violência sexista, esta declaração não é "irreverente" como afirmou o Portal G1 da Rede Globo. É uma declaração grave, inaceitável e que precisa de retratações públicas. A violência contra as mulheres é possivelmente a violação de direitos humanos mais tolerada socialmente. Ainda é considerada algo natural na vida das mulheres, como se fizesse parte do destino. Por isso, muitas vezes não nos damos conta de que, em determinados momentos, estamos diante de um ato de violência sexista.

Nenhuma mulher gosta ou aceita ser chutada, ser vítima de qualquer ato de violência, seja ela rica ou pobre, branca ou negra, jovem ou adulta. As palavras de Felipe Melo ainda demonstram o preconceito com relação às mulheres pobres ao afirmar que a violência contra as mulheres é apenas um problema das classes baixas. Sabemos que esse tipo de violência é transversal e atravessa todas as classes sociais e diferentes culturas e religiões.

A violência é resultado das relações desiguais entre homens e mulheres, e acontece todas as vezes em que as mulheres são consideradas coisas, objetos de posse e inferiores aos homens. As mulheres têm uma longa trajetória de luta por emancipação política, econômica e pessoal; entretanto, ao mesmo tempo em que hoje avançamos na conquista de espaços, na garantia e ampliação de direitos, são ainda vistas, e muitas vezes tratadas, como seres inferiores, o que permite especialmente aos homens, o direito de ter a mulher como sua propriedade, como objeto.

Além disso, a grande mídia joga no time que reafirma a violência contra as mulheres na medida em que cumpre o papel de reafirmação desse machismo desde associar o corpo das mulheres às mais diversas mercadorias à banalização do sexo e da violência, a fragilidade e a submissão das mulheres reforçadas como coisa natural. Da mesma forma, a TV interfere no imaginário coletivo, perpetuando um mundo habitado pela violência e desigualdades de gênero em vez de produzir imagens que proponham novas possibilidades nas relações sociais.

O enfrentamento da violência contra as mulheres é ainda um grande desafio. Para os movimentos sociais, uma vez que a luta contra a violência precisa ser parte da luta por construção de autonomia das mulheres e de transformações gerais na sociedade e para os governos democráticos que defendem a cidadania das mulheres, como por exemplo, a Lei Maria da Penha e o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à violência contra as mulheres.

A violência não pode ser camuflada. É importante visibilizá-la para afirmar que existe, ter dimensão de sua extensão; e que é preciso combatê-la. A CUT jamais se furtará de denunciar e de lutar por uma vida sem violência para todas as mulheres.


Violência contra as mulheres: tolerância nenhuma!

Artur Henrique, presidente da CUT, e Rosane Silva, secretária nacional da Mulher Trabalhadora e Integrante da Coordenação Executiva da MMM

Fonte: http://www.cut.org.br/content/view/20703/

terça-feira, 8 de junho de 2010

ANGELUS - Policritica

Picture
Esta apreciação será seguramente estéril e inautêntica; mas não é possível que os homens aceitem a refutabilidade de certas imagens. Certo, é que a publicidade e a imprensa controlam suficientemente e fortemente estes tempos pobres, mas é surpreendente a plasticidade deste sistema; é admirável a capacidade de insulto e ilusão elogiosa que as pessoas recebem e alimentam em certas campanhas publicitárias, submetendo todos a toda a sorte de ofensas. Tem que se ficar perplexo com estas propagandas, diante da não necessidade de usar subterfúgios para abarcar as pessoas-produto; pois não é mais necessário a alusão ou a insinuação; diz-se diretamente: - Use desodorante x e consiga muitas mulheres; - Compre o novo carro t, e não troque de carro, troque de vida! Isto de fato é um prodígio, pois a enganosa fragmentação de idéias chegou às massas de modo que não é mais sequer disfarce. Por outro lado, os publicitários parecem ser mais sinceros, de modo que, se por hipótese, alguma pessoa consegue entender seu presente, ela poderá ficar pasmada, pode tentar descobrir o que é ilusão e o que é realidade... Parece demagogicamente honesto.

Mas, o que diria a Sr.a Claire Demar, feminista sainsimoniana, defronte aos apelos desta publicidade, incrivelmente realizada no século XXI?, o que a Sr.a Claire diria para simpática e bela moça que deseja o simpático rapaz como seu sonho de consumo em uma propaganda de determinada marca de gasolina?. Certa feita, a senhora Claire chegou a afirmar que: “a revolução nos costumes conjugais não se faz na esquina das ruas ou em praça pública, durante três belos dias de sol, mas se realiza em todas as horas, em todos os lugares (…) nas longas noites que transcorrem insípidas e frias, como existem tantas na alcova conjugal. Esta revolução mina e mina sem parar o grande edifício erguido em benefício do mais forte (…) a fim de que um dia o fraco, como o forte, possa reclamar com a mesma facilidade o total de felicidade que todo ser social tem direito de pedir à sociedade.” [Claire Demar, Ma loi d ’avenir, (1833)]. Pois, parece que este dia chegou, ou não... Esta campanha publicitária de gasolina é tão provocante e tão significativa, que pode parecer de fato, que a caminhada da humanidade em seu “progresso inevitável”, parece retroceder. “A unificação da qual as mulheres não são as únicas, mas em todo caso as principais vítimas, posto serem os sinais mais visíveis da impossibilidade de reduzir todas as diferenças, como também da impossibilidade de construir as relações humanas somente sobre a razão”, [Eleni Varikas, “O pessoal é político”: desventuras de uma promessa, Tempo, 1996] não se concretiza. As mulheres ainda não dizem “eu” sem solicitar permissão.

Faz-se silêncio diante de tamanha agressão; deste lugar comum que nos embriaga diante do consumo; que entope de antidepressivos os que são infelizes por não serem felizes; desta possibilidade benjaminiana da catástrofe, e de toda a anti-intelectualização dos seres contemporâneos sem brilho no olhar. Silêncio que trago através da obra “O Silêncio”, de Odilon Redon; e para apoiar a utilização desta, faço uso dos comentários do estúdio Casthalia: esta obra que nos remetem ao silêncio do antes da criação e ao silêncio do fim dos tempos. Mas, perigosamente, amplio por dizer, que este trabalho também nos remete ao silêncio que vivemos diante do torpe capitalismo presente. A imagem realmente tem um o olhar contemplativo e voltado para baixo, e parece exprimir um sentimento ambíguo entre a possibilidade de alguma coisa ocorrida, ou prestes a acontecer. É um agora que depende do antes ou do depois para existir como essência de um momento.

E assim, sou lançado novamente as leituras de Walter Benjamim sobre a história e à sua tese mais citada; a Tese IX faz alusão ao anjo de Paul Klee, que tem seu rosto voltado para o passado e enxerga uma única catástrofe, que sem cessar amontoa escombros e os arremessa a seus pés; ele “gostaria de demorar-se, de despertar os mortos e juntar os destroços. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas e é tão forte que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, para o qual dá as costas, enquanto o amontoado de escombros diante dele cresce até o céu. O que nós chamamos de progresso é essa tempestade.” A tese, além de ter dimensão profética, nos posiciona diante da profunda crise da cultura moderna; para Benjamim a quintessência do inferno é a eterna repetição do mesmo (Sísifo e Tântalo); repetição que toda a sociedade está posta em nossos tempos; sociedade dominada pela mercadoria submete-se à repetição, ao “sempre igual” disfarçado em novidade e moda: no reino mercantil, “a humanidade parece condenada às penas do inferno”. Mas, Benjamim desmistifica o progresso fixando não só o olhar marcado por uma dor profunda e inconsolável, mas também por uma profunda revolta moral; Benjamim critica explicitamente a conduta positivista do evolucionismo histórico que conduz a humanidade através do progresso ao triunfo da razão rumo à consciência da liberdade. [Michael Löwy, Walter Benjamim: aviso de incêndio, 2007].

Ocorre que este povo parece estar mais sob o olhar do anjo de Schiller (tranqüilo e alegre) que observa as atividades de um povo pacífico que se alimenta inocentemente do leite de seus rebanhos; do que do anjo desesperado de Benjamim. Os ‘inlibertos’ continuam comprando aquela gasolina ou aquele carro que os mudará de vida... Malditos chacais! Benjamim parece estar certo, o anjo da história é impotente para deter a tempestade; a catástrofe ainda é possível, se não, provável, a não ser que... (- Silêncio! Os chacais estão espreitando!).
 

ANGELUS_ Policritica_Jacquerie Vogel_DireitosReservados

Fonte: http://www.opassaro.com/angelus.html

quarta-feira, 2 de junho de 2010

ATO DE REPÚDIO AO ATAQUE COVARDE DE ISRAEL EM SP

ATO NESTA SEXTA-FEIRA(04 DE JUNHO) AS 15 HORAS NO VÃO LIVRE DO MASP
REPÚDIO AO ATAQUE À AJUDA HUMANITÁRIA


Companheiras
É importante que todas compareçam no ato de repúdio ao ataque à ajuda humanitária na sexta(dia 4 de junho). Total solidariedade ao Povo Palestino!

MULHERES LIVRES, POVOS SOBERANOS!
Seguiremos em Marcha até que ABSOLUTAMENTE todas sejamos livres!

terça-feira, 1 de junho de 2010

QUANDO O MUNDO É UM PROSTÍBULO

Oi gente,

Segue aqui uma reportagem sobre tráfico de mulheres e a prostituição, retirado do site Racismo ambiental, cujo link segue mais abaixo.

Temos acumulado nesse debate, mas vários desafios se apresentam pra nós nesse período, em que sob a euforia de sediar grandes eventos esportivos, os velhos lobbystas da legalização da prostituição, ou melhor, da "profissão de proxeneta" voltarão a cena, trazendo um discursinho barato sobre liberdade sobre o corpo, e mentiras sobre os impactos positivos sobre a vidas das mulheres em situação de prostituição.

Sem dúvida de que não se é contra os direitos das mulheres em situação de prostituição, sobretudo o de viver sem violência, mas a questão é mais profunda: Como aceitar que essa seja uma escolha das mulheres? Que mundo é esse que condena as pobres a mercantilização de seu corpo, de seu sexo? Precisamos ter elaboração sobre o que já vimos acumulando, já que desde a retomada da ofensiva contra a mercantlização do corpo e da vida das mulheres ampliamos nossa atuação para o debate da prostuição.

Assim, reforçamos o convite para que façamos desse espaço uma troca sobre esse tema, assim como da nossa elaboração teórica e inicitivas de interveção, já que somos nós militantes da MMM de vários estados, em que o turismo sexual, o tráfico de mulheres e adolescente está fortemente presente.

Enfim, companheiras, segue o texto e segue o debate E SEGUIREMOS NÓS, TODAS EM MARCHA, ATÉ QUE TODAS AS MULHERES SEJAM REALMENTE LIVRES!!!!!


Quando o mundo é um prostíbulo
Por racismoambiental, 31/05/2010 09:42
http://racismoambiental.net.br/2010/05/quando-o-mundo-e-um-prostibulo/

Fruto de uma investigação, um ex-empregado de um banco denuncia o negócio planetário do tráfico sexual e a vida atroz das cerca de um milhão de mulheres escravizadas para exercer a prostituição.

A reportagem é de Lola Galán, publicada no jornal El País, 30-05-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

As meninas e jovens que se oferecem por umas poucas rúpias nos prostíbulos gigantescos de Kamathipura e Falkland Road, em Mumbai, não são muito diferentes das adolescentes do Leste Europeu encerradas em clubes noturnos em Mestre, perto de Veneza. Ou das jovens nigerianas detidas, sob ameaça de morte, em cortiços perdidos entre as estufas de Almería, na Espanha, como as que a polícia libertou há alguns dias.

Umas e outras são escravas sexuais. Um termo aparentemente defasado em pleno século XXI, que descreve, infelizmente, uma realidade nada infrequente. Mais de um milhão de adolescentes e de mulheres jovens alimentam hoje esse sórdido negócio que proporciona aos que o exploram milhares de milhões de euros de lucro por ano. Mulheres vendidas, enganadas ou raptadas pelos próprios grupos mafiosos que controlam o tráfico sexual.

Como se desenvolve o tráfico de mulheres no mundo global? Quem são suas vítimas e quem são os carrascos? “As vítimas são mulheres jovens, pobres, muitas pertencem a minorias étnicas, ou vêm de países instáveis e estão desesperadas para emigrar. Os campos de refugiados também são um campo propício para recrutá-las”, explica Siddharth Kara (foto), na conversa telefônica de sua casa em Los Angeles. Ele é autor de um livro sobre o assunto, “Tráfico sexual. El negocio de la esclavitud moderna”, publicado pela Alianza Editorial. Kara, de 35 anos, ex-empregado do banco de negócios Merrill Lynch, deixou seu lucrativo trabalho para iniciar, no ano 2000, uma série de viagens pelo mundo que o levariam ao coração do tráfico sexual através de três continentes.

Nos países do sul e do leste da Ásia, nos Estados Unidos, no leste da Europa, nos Bálcãs e na Itália, Kara teve contato com escravas, assistentes sociais, intermediários e alguns traficantes. O resultado desse amplo trabalho de campo é o livro sobre esse negócio desumano, que analisa os aspectos econômicos sem esquecer o drama profundo das jovens exploradas.

Dramas como o de Mallaika, uma ex-escrava sexual que Kara encontrou em Mumbai. Casada aos 13 anos, após dar a luz à dois filhos mortos, o marido a vendeu a um intermediário quando ela tinha recém completado 16 anos. Mallaika trabalhou toda a sua juventude como escrava sexual, obrigada a satisfazer a dezenas de clientes por dia. No gigantesco bordel, imperava a lei mais brutal. Todos os dias, escravas como ela morriam violentamente. Depois, ela passou a trabalhar como prostituta pelo sistema indiano de adhiya. A metade do que ela ganhava era para o dono do prostíbulo. Infectada pelo vírus da Aids quando Kara a encontrou, Mallaika estava consciente de que seus dias estavam contados.

Free the Slaves

Siddharth Kara, membro da direção da ONG Free the Slaves, criada em 2000 por um grupo de intelectuais para lutar contra a escravidão, conta que seu interesse pelo assunto surgiu quando era estudante na Universidade de Duke (Carolina do Norte). Em 1995, Kara passou algumas semanas no campo de refugiados de Novo Mesto (Eslovênia). Ali, uma jovem bósnia lhe contou que soldados sérvios raptaram algumas de suas companheiras e as levaram a prostíbulos de Belgrado.

Essa lembrança nunca lhe abandonou. E, no ano 2000, com alguma coisa de dinheiro economizado, uma simples mochila, uma câmera de fotos e um gravador, lançou-se à aventura de ver com seus próprios olhos a natureza do tráfico de mulheres. “Calculo que agora mesmo haja em torno de 1,3 milhões de escravos sexuais, a maioria mulheres e meninas”, diz Kara. “Mas não devemos esquecer que são muitas mais as pessoas escravizadas no negócio da prostituição”.

Kara acredita que uma das razões do auge desse comércio é a sua rentabilidade, só superada pelo tráfico de drogas. Mas com um risco muito menor. Por que os mafiosos que controlam o tráfico sexual correm menos risco de ser detidos? “Há várias razões. A corrupção policial, a dos guardas da fronteira, a do sistema judicial. Também não há fundos para atender as escravas que conseguem se libertar, e é difícil que elas denunciem os traficantes. Além disso, as forças encarregadas de lutar contra essa chaga não têm meios, nem estão coordenadas globalmente”.

Quando Siddharth Kara iniciou sua investigação, ele se deparou com o fato de não haver dados nem evidências testemunhais do tráfico. “Dedicavam-lhe muito pouca atenção. Nem sequer na imprensa. Hoje, há mais interesse, mas nem sempre é um interesse sadio. Há jornalistas e membros de ONGs que só querem contar histórias sensacionalistas para construir suas próprias carreiras. Além disso, os recursos econômicos são limitados. Por não sei qual razão, a luta contra o tráfico de mulheres está subordinada a outros problemas, como o terrorismo, o tráfico de drogas, ou a imigração. Além de haver uma apatia institucional histórica na hora de reconhecer as dimensões desse problema e de lhe dar uma solução. Seguramente, como as mulheres ainda são discriminadas no mundo, elas recebem uma atenção menor”.

Dramas pessoais

A vida das escravas sexuais está dominada por um mesmo horror, seja no Oriente ou no Ocidente, no Norte ou no Sul. Kara entrevistou jovens que sobrevivem meio drogadas nos prostíbulos mais sujos de Mumbai e meninas do Leste Europeu obrigadas a ficar nas ruas de Roma e encontrou trágicas semelhanças.

“Poderia parecer mais sórdida a situação das escravas sexuais na Índia, mas o trato que essas jovens recebem tem aspectos comuns em ambos os países. Todas sofrem contínua violência, são torturadas e ameaçadas constantemente e obrigadas a ter relações sexuais com dezenas de indivíduos por dia. Na Índia, a prostituição está proibida, e tudo é feito às escondidas, enquanto que na Itália a prostituição de rua é autorizada, salvo para as menores de idade”.

Na cidade santa de Benarés, Kara se encontrou com Devika, uma adolescente com uma história estremecedora. “Quando eu tinha 13 anos, um dia um homem, ao qual eu conhecia pelo nome de Raj, me abordou a caminho da escola. Me pegou pela mãe e me disse que me mataria se eu gritasse pedindo ajuda. Ele me levou para a sua casa e me violentou. Abusava de mim todos os dias e trazia outros homens para que tivessem relações sexuais comigo”. Até ser resgatada, Davika passou meses trabalhando na casa-prostíbulo de Raj, que a obrigava a ter relações sexuais com mais de 20 homens por dia.

Sua história, com exceção das enormes distâncias culturais e geográficas, parece-se à de Tatyana, uma menina moldava de 18 anos que passou 26 meses como escrava sexual na Itália.

O erro de Tatyana (os nomes que Kara cita em seu livro não são autênticos) foi se apresentar ao anúncio publicado por um jornal de sua cidade natal, Chisinau (Moldávia), no qual se solicitavam jovens para trabalhar no serviço doméstico na Itália. “Assim que saí de casa, meus companheiros me violentaram e depois me mantiveram vários dias sem comer”, relata no livro. Sua primeira parada foi na Sérvia, onde foi comprada por traficantes albaneses. Mais tarde, foi vendida novamente para a Albânia. Dali passou para a Grécia, onde os mafiosos que a acompanhavam colocaram-na em um barco rumo à Itália. “Ali, os albaneses a colocaram no porta-malas de seu carro”, relata Kara em seu livro, “e a levaram diretamente para Milão, onde foi vendida ao proprietário de um clube noturno”. Todas as noites, ela tinha que deitar com os clientes e satisfazê-los sexualmente. “Quando eu não queria beber, o proprietário injetava tranquilizantes para animais em mim”.

A oferta de escravas sexuais na Itália é tão abundante que os preços do ato sexual reduziram-se pela metade. A clientela se multiplicou. Hoje em dia, constata Kara em seu livro, “frequentar prostíbulos está cada vez mais integrado na cultura italiana”. Depois de serem exploradas nos bares de Roma, Turim, Mestre ou Milão, muitas dessas mulheres são enviadas para outros países da Europa onde seu calvário continua.

Clientes não lhes faltam. Segundo Kara, no mundo inteiro, entre 6% e 9% dos homens maiores de 18 anos compram sexo de escravas pelo menos uma vez por ano. Seja por entretenimento, por impulsos violentos ou por qualquer outro propósito, ele reconhece que não há canto do mundo onde os homens não recorrem aos prostíbulos. Os Estados Unidos, com leis proibicionistas muito restritas e implacavelmente aplicadas, é um dos lugares onde o comércio sexual parece ter menos êxito. Mas não deixa de ser uma exceção.

O que caracteriza os consumidores desse sexo barato? “Não sou a pessoa indicada para responder essa pergunta. É verdade que alguns homens o consomem sem maiores problemas de consciência. Há razões biológicas, sociais, não sei. Obviamente, sem homens dispostos a pagar por sexo, não existiria essa escravidão. Mas nem todos os homens são responsáveis por ela. Só uma pequena parte”.

Entre os clientes de imundos salões de massagem, ou das prostitutas de rua, estão os imigrantes, que chegam, muitas vezes sozinhos, a um país desconhecidos e hostil. “A globalização foi um agravante enorme. O tráfico de seres humanos é uma das consequências mais horríveis do capitalismo global, que gerou enormes desigualdades econômicas. Porque se produz uma transferência clara de riqueza e de recursos das economias pobres para as ricas junto com outro fenômeno, o da falta de direitos humanos nos países em desenvolvimento”.

O papel negativo da religião

E a religião? Tem algum papel nesse fenômeno? Kara, que viajou várias vezes para a Tailância, outro país com maior oferta de escravas sexuais e prostitutas menores de idade, cita o budismo theravada, religião oficial, como uma das últimas razões do desprezo para com a mulher, considerada como uma reencarnação inferior ao homem.

Mas o hinduísmo também não é mais compassivo com as mulheres, nem os ritos africanos. As mulheres nigerianas pegas pelo tráfico muitas vezes aceitam condições de vida terríveis sem se queixar, por temor aos ritos Ju ju, aos quais estão submetidas. “Existe ainda uma opressão bastante generalizada das mulheres por parte dos homens. E a religião é um meio a mais para submetê-las. Não é culpa da religião em si, mas sim do uso que se faz dela”, diz Kara.

O autor de “Tráfico sexual” acompanhou com interesse as leis liberalizadoras da prostituição em alguns países europeus, caso da Holanda. E não parece convencido de que sirvam para erradicar o tráfico de mulheres. “A legalização da prostituição é ruim porque é utilizada como uma tela, uma vitrine atrás da qual se desenvolve o mesmo comércio sexual com escravas nas condições mais terríveis”.

Siddharth Kara relata em seu livro seus percursos pelos bairros mais degradados de Bangkok, onde abundam os prostíbulos imundos. Ali, encontram-se autênticas escravas, adolescentes que cobram apenas quatro euros pela hora de sexo, e onde a atmosfera é deprimente e sórdida a extremos inauditos. Também existem prostíbulos suntuosos para os turistas ricos e homens de negócios que chegam ao país em busca precisamente disso. Lugares de luxo para os ricos e barracos para os pobres. Sexo pago para todos. Até os escravos trazidos da Birmânia, de Laos e de Cambodja, para construir rodovias e edifícios de moradias, recebiam um salário minúsculo, “com o qual podiam se permitir o sexo com escravas”, indica Kara.

Frente a esse panorama desolador, o autor propõe, mais do que soluções, novos enfoques para o problema. O primordial, em sua opinião, é tornar a vida de traficantes e exploradores muito mais difícil. Que as máfias não operem com a impunidade atual, que sofram perseguição e prisão. Que a colheita anual de escravas seja cada vez mais incerta e escassa. E uma maior conscientização dos clientes? Siddharth Kara considera isso menos factível. Enquanto a oferta exista, a demanda nunca irá decair.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=32956

Ato da Frente Nacional contra a criminalização das mulheres e pela legalização do Aborto -SP

Fotos do Ato da Frente Nacional contra a criminalização das mulheres e pela legalização do Aborto -SP