terça-feira, 24 de agosto de 2010

Guerras ocidentais X mulheres muçulmana



A imprensa ocidental transborda de matérias sobre os maus tratos dos Talibãs às mulheres no Afeganistão e no Paquistão, e desperta incontáveis vozes de apoio, muito menos às mulheres do que à guerra que, como se diz, assegurará “futuro mais promissor aos direitos das mulheres”. Essa semana, a matéria de capa da revista Time promove exatamente esse tema.
Se as guerras ocidentais algum dia tivessem feito alguma coisa para ‘libertar’ as mulheres orientais, as muçulmanas seriam as mulheres mais ‘libertadas’ do mundo – depois de séculos de intervenções militares por exércitos ocidentais. Não são, nem serão, sobretudo quando qualquer ‘liberdade’ venha necessariamente associada ao mando ocidental.
O Afeganistão conheceu sua quota de intervenção militar por britânicos, russos e norte-americanos, e até agora, ninguém libertou uma única muçulmana. De fato, relatos de grupos feministas confiáveis locais demonstram que as condições de vida das mulheres afegãs pioraram muito desde a invasão pelos EUA, há quase uma década.
As normas sociais dos Talibã talvez afrontem modernos valores ocidentais, mas de modo algum podem ser sumariamente trocadas por valores ocidentais implantados, muito menos a tiros (ou a peso de bombas de fósforo).
Se, como insiste o general Petreaus, os soldados dos EUA devem “viver” com os afegãos, para conseguir derrotar os guerrilheiros, devem também esperar hostilidade cada vez maior contra os invasores estrangeiros e seus valores.
A carga do homem branco?[2]
Os mesmos argumentos da civilização pró-ocidente que têm sido usados há séculos para justificar as mais sangrentas guerras coloniais no oriente são reaproveitados hoje para manipular a opinião pública que sempre resiste contra todas as guerras e induzi-la a apoiar a escalada militar na Ásia Central.
A velha fantasia dos homens ocidentais, de ‘salvarem’ mulheres veladas das garras de seus opressores e raptores, está sendo explorada para promover a ideia de que a guerra ‘libertará’ as mulheres veladas da ‘maldição’ de terem de conviver com ‘terroristas barbudos’, assim como a mesma guerra também ‘libertará’ os EUA do ‘terrorismo’ dos mesmos barbudos.
À luz de tão pesada overdose de moralismo, foi particularmente embaraçoso para os líderes estadunidenses  constatar que seus aliados são perfeitamente competentes para construir acordos com os mesmos grupos de barbudos aterrorizantes, que chegam para parlamentar, é claro, com suas barbas e suas práticas sociais.
Ano passado, o governo Obama condenou publicamente o presidente do Paquistão Asif Ali Zardari, por reconhecer as leis da Xaria no pequeno vale do rio Swat. Para o governo Obama, seria “rendição” aos Talibã. O mesmo governo Obama também condenou o presidente do Afeganistão Hamid Karzai, por ter assinado lei que admite o estupro nos casamentos da minoria xiita que vive no país.
Ninguém se lembrou de lembrar-se que até há bem pouco tempo, o estupro conjugal foi legal na Grã-Bretanha e nos EUA, onde ainda é legalmente considerado crime menor que o estupro não-conjugal em vários estados.
Os que buscam solução militar para problemas sociais falham sempre ao não fazer distinção ente o Islã e os Talibã, ou entre aspectos culturais e religiosos da vida na Ásia Central. E falham sempre, também, porque jamais explicam como, afinal, alguma mulher poderá alcançar algum direito, por meios militares.
Afinal de contas, a grande maioria dos paquistaneses e afegãos já votaram contra os Talibã – e no caso do Paquistão elegeram um partido secular liderado por uma mulher ocidentalizada, a falecida Benazir Bhutto, supostamente assassinada pelos Talibã. De fato, os fundadores do Paquistão eram tão seculares quanto muitos de seus equivalentes ocidentais.
Os últimos meses mostraram que o governo do Paquistão é capaz de fazer frente aos Talibã, quando entenda necessário. E quando a televisão paquistanesa mostrou o chicoteamento de uma jovem de 17 anos, houve indignação nacional, dos mais de 170 milhões de paquistaneses.
Por décadas, paquistaneses e afegãos foram vítimas de Talibã de estilo medieval, de mujahedeen e de senhores-da-guerra apoiados e armados pelos EUA através dos serviços de inteligência do Paquistão e da Arábia Saudita.
De fato, durante grande parte do século 20, todas as intervenções militares diretas ou apoiadas por países ocidentais, no Oriente Médio expandido, visaram a derrubar regimes seculares na região – do Irã de Mossadegh ao Egito de Nasser, passando pelo Iraque de Hussein, e para não falar de Najibullah, no Afeganistão soviético.
A carga da mulher branca
Ironia, que outros conservadores não veem, é o conservador britânico Cyril Townsend publicar, no jornal panárabe dos sauditas Al-Hayat, em artigo que levava o título “Direito das mulheres no Afeganistão”, que as soldadas britânicas lutam para que também no Afeganistão as mulheres tenham respeitados os seus direitos.
E nem uma linha de explicação sobre por que, 18 anos depois de meio milhão de soldados de EUA e Grã-Bretanha tanto terem guerreado para libertar o Kuwait e proteger sua aliada, a Arábia Saudita, as mulheres sauditas, até hoje, são proibidas de votar e de dirigir carros.
Tolices semelhantes apareceram em 2001, enunciadas pelas primeiras-damas Laura Bush e Cherie Blair, de apoio à “guerra para libertar as mulheres do Afeganistão”, quando de fato só faziam promover a guerra de seus respectivos homens e outros, e nunca, em tempo algum, promoveram algum direito de alguma mulher.
A revista Time seguiu a mesma toada, essa semana, com lembrete para que não se esquecesse o suplício das mulheres afegãs. Richard Stengel, editor-gerente da revista, escreveu que não publicara a matéria nem exibira aquela imagem “para apoiar nem o esforço de guerra dos EUA nem os que são contra a guerra”. Pode ser. Mas a matéria e a capa contribuíram para justificar a guerra em círculos humanitários ‘civilizados’ e nada fizeram para criticar a guerra naqueles mesmos círculos.
Um século depois de o poeta inglês Rudyard Kipling ter pela primeira vez invocado “A carga do homem branco”1 para explicar a invasão e a ocupação das Filipinas pelos EUA, Washington e Londres continuam a tentar justificar suas ações militares de intervenção e ocupação, servindo-se das mesmas falsidades requentadas.
É escandaloso que depois de as mentiras sobre “A carga do Homem Branco” terem sido desmascaradas, ao preço do sangue de milhões de homens e mulheres, novas doses gigantescas da mesma violência ainda apareçam justificadas sob o pretexto de alguma “carga” sobre ombros de algum homem ou mulher.
E é exatamente isso que se vê, quando tantos advogam que se bombardeiem incansavelmente culturas que não conhecem, até que se tornem culturalmente semelhantes ao Ocidente.
Essa perigosa escatologia espera construir sobre o que destrói e pode acabar destruindo sociedades muçulmanas inteiras, arrastada pela fantasia de que, pela morte e pelo sangue, o ocidente alcançará a liberdade que fantasia para outros, sem assegurá-la sequer às suas mulheres.
A guerra é o abuso máximo
Como principais vítimas do abuso do poder, as mulheres ocidentais vivem em posição única, da qual podem denunciar e rejeitar, mais que todas as mulheres, o maior e mais completo abuso, o abuso dos abusos, o abuso destrutivo, pelo homem ocidental, do poder patriarcal: a guerra.
Quanto às mulheres muçulmanas, não há qualquer espaço nessa guerra para ouvir o que pensem, suas esperanças ou aspirações. A voz delas está sendo progressivamente calada, pelo som ensurdecedor das bombas e explosões.
As mulheres orientais foram as primeiras vítimas civis das guerras ocidentais. Quantas viúvas, mães, irmãs e filhas enlutadas o ocidente ainda terá de produzir, antes de aprender a rejeitar todas as guerras de agressão, e de aprender a ver o que é, de fato, a suposta ‘missão civilizadora’ do Ocidente? Depois de décadas de guerras, o Iraque e o Afeganistão são hoje nações de viúvas – até agora são cinco milhões de viúvas, e o número não para de aumentar.
Os maus tratos contra mulheres não são limitados por culturas ou fronteiras. Paradoxalmente, a violência contra mulheres, em famílias de veteranos de guerra, nos EUA, é de três a cinco vezes maior do que na média das famílias estadunidenses. Essa, sim, é, literalmente, uma Carga da Mulher Branca.
Muitas mulheres alistam-se no serviço militar para alcançar plena igualdade no campo dos direitos. Há mais mulheres soldadas em combate no Iraque e no Afeganistão, do que jamais antes em todas as guerras. Penso mais nas mulheres que resistem ao mundo masculino das guerras, muito mais do que penso nas mulheres que se engajam nele.
Seja como for, homem algum jamais fez guerra para libertar mulher alguma. Bem diferente disso, segundo Martin Van Creveld, historiador de guerras, os homens fazem guerra para fugir de suas esposas e famílias, à caça de êxtase e transcendência. Não se pode dizer que seja causa propriamente feminista.

Marwan Bishara é jornalista, editor-chefe e analista político da rede Al-Jazeera
[1] Para saber mais, ver aqui
[2] Orig. The White Man’s Burden é título de um poema do inglês Rudyard Kipling, publicado originalmente na revista popular McClure’s em 1899, com o subtítulo “The United States and the Philippine Islands”.  Há uma ambiguidade no título, talvez mais clara em inglês que em português, e no modo como o poema (que teve várias versões) foi construído, que permite várias interpretações [a carga que pesa sobre os ombros do homem branco, e por extensão, a tarefa ‘civilizatória’ que lhe caberia; ou a carga representada pelo homem branco invasor e colonialista, que pesa sobre outros ombros, dentre outras interpretações]. Efeito dessa ambiguidade, o poema tem servido como ‘referência poética’ tanto para os que combatem o racismo eurocêntrico quanto para os que partilham as ambições ocidentais de dominar o mundo em desenvolvimento [NT, com informações da Wikipedia: The_White_Man's_Burden]

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Marcha marca início das atividades do IV Fórum Social Américas

O IV Fórum Social Américas (FSA), instalado no coração do continente, teve início com uma marcha pelas principais ruas de Assunção, milhares de pessoas marcharam do Conselho Nacional de Esportes para o edifício do Cabido, situado no centro da cidade. Por 10 quilômetros delegações de mais de 600 organizações sociais vindas de diversos países da América Latina, transformaram as ruas da capital com suas bandeiras coloridas.

A frente da marcha estavam camponesas e indígenas da Federação de Mulheres Camponesas “Bartolina Sisa” da Bolívia, a Prêmio Nobel Rigoberta Menchú da Guatemala e Magui Balbuena da Coordenação Nacional de Mulheres Rurais e Indígenas (CONAMURI) do Paraguai.

Durante todo o percurso, os participantes invocavam a integração e a libertação do continente, rejeição às bases militares norte-americanas no continente e à criminalização das lutas dos povos. Dos predios, vários cidadãos/as saudavam os manifestantes que marchavam ao som da “batucada” e de música de grupos bolivianos.

A dirigente da Conamuri, Magui Balbuena foi a encarregada de dar as boas-vindas a todos e a todas na praça do Cabido, afirmando que o FSA é “um momento histórico para o povo do Paraguai, que possibilita encontrar-nos e compartilhar nossas lutas para criar uma grande frente de batalha contra o imperialismo, com esta diversidade avançaremos na construção de outro mundo possível.”

O ato teve como característica a locução nos idiomas que fazem parte do país, o guarani e o espanhol, a apresentação do coro Tava Guarani-São Pedro, integrado por jovens dessa mesma comunidade. Em seguida, o representante do Conselho Hemisférico do FSA, Edgardo Lander da Venezuela, se dirigiu ao público afirmando que este Fórum se produz em um palco político que sofreu mudanças em toda a região, manifestando que “o continente deve estar mais unido hoje, e deve reforçar a construção de alternativas que se levantaram, apoiando os modelos de sociedades que têm uma aposta diferente ao neoliberalismo”.

Assim se iniciou a IV edição do Fórum Social Américas onde 6.000 participantes discutirão diversos temas até 15 de agosto.

Fonte: http://www.movimientos.org/fsa2010/show_text.php3?key=17875

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Batucada Feminista no FSA - Assunção/Py


Entre 06 e 07 de agosto, a militante da Marcha Mundial das Mulheres Adriana Vieira foi responsável por ministrar uma oficina sobre a Batucada Feminista numa das atividades que precedem o Fórum Social das Américas, que ocorrerá de 11 a 15 do corrente mês em Assunção, Paraguai.

Participaram do evento cerca de 30 mulheres, sendo a maioria composta por jovens e mulheres campesinas. Segundo Adriana, foram ensaiados dois ritmos musicais, o brasileiro Maracatu e o Hip Hop (Rap). “Foi muito bom poder levar para mulheres de outros países um pouco do que fazemos no Brasil. Na avaliação pudemos escutar declarações que ratificam a luta das mulheres por um mundo melhor”.

Entre as declarações finais das participantes estavam: “Não sabia que eu tinha a capacidade de tocar, agora sei que tenho e já aprendi um pouco” e também: “Batucada é um instrumento de luta da Marcha Mundial das Mulheres que traduz a luta de forma cantada e alegre", disse outra jovem.

A Batucada Feminista surgiu em 2003 e trouxe uma nova perspectiva para as mulheres. Utilizar a musicalidade instrumental como uma nova ferramenta de luta das mulheres possibilitou a ampliação de conhecimentos, irreverência e outras formas de se expressarem, fortalecendo a luta por alternativas frente à realidade de exclusão e desigualdade entre homens e mulheres.