domingo, 29 de abril de 2012

Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas



Vanessa Gil e Cláudia Prates*
27 de abril é o Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas. Para homenagear a bravura dessas mulheres, escrevemos essas breves reflexões. Nossa intenção é repensar a precarização do trabalho doméstico remunerado, as dificuldades de regulamentação, e o histórico de discriminação que envolve a profissão. 
Iniciamos resgatando a luta das trabalhadoras domésticas no Brasil, seus avanços e as dificuldades para ampliar os direitos da categoria. Poderemos verificar que a luta se dá aos poucos, com pequenos avanços, sempre abaixo do que é conquistado pelas/os demais trabalhadoras/es. 
Em seguida discutimos a presença e as especificidades da força de trabalho feminina dentro do sistema capitalista. Buscamos estabelecer a feminilização da pobreza e do trabalho doméstico com os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo. 
Por fim, tratamos das possibilidades de superação e o papel do Estado na elaboração de políticas públicas que alterem a desigualdade de gênero na composição do trabalho doméstico remunerado e não-remunerado. 
Devido à importância e peculiaridade do trabalho dessas mulheres, convidamos o leitor a refletir conosco sobre essa categoria, sua história e sua luta. 
Cenário do Trabalho Doméstico Remunerado1 no Brasil
O Trabalho Doméstico no Brasil é caraterizado por três recortes principais: gênero, raça e classe. Segundo dados da  OIT, o trabalho doméstico remunerado é realizado por mulheres (95%),  negras (61%) e pobres (100%). Isso não é por acaso. Como absolutamente todas as relações sociais,  as características do trabalho doméstico remunerado se constituem através de um longo processo histórico e,  no caso do Brasil, tem origem na escravidão.
É do trabalho na casa-grande, servindo aos senhores de engenho, sob o comando das senhoras brancas da casa grande, que o trabalho doméstico brasileiro constrói sua base histórica. Com o “fim da escravidão”, um dos poucos trabalhos acessíveis às mulheres negras era o doméstico, na maioria das vezes, em troca de comida e abrigo. Assim, com a abolição a escrava passou a ser trabalhadora doméstica. 
A categoria foi regulamenta somente com a Lei 5.859/72, onde define trabalhador/a doméstico/a, em seu artigo 1°, como: “Aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial”. Como a própria lei afirma, sendo o trabalho doméstico remunerado uma atividade sem fins lucrativos, o principal argumento para a flexibilização das leis que o regem estão assentadas na ideia de que esse tipo de trabalho é de “natureza” específica e que não produz lucro ao empregador, que por sinal é sempre uma pessoa física. Ou seja, como veremos mais adiante, o trabalho doméstico é desvalorizado porque não cria valor de troca, não resulta em mercadoria, não oferece lucros que possam ser facilmente contabilizados pelo empregador.
Graças à luta contínua das/os trabalhadoras/es domésticas/os remuneradas, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 7°, parágrafo único, estabeleceu como direitos o salário mínimo; irredutibilidade salarial; repouso semanal remunerado; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; licença-paternidade; aviso prévio; aposentadoria e integração à Previdência Social. 
Em 23 de março de 2001, foi promulgada a lei 10.208, no qual estabelecia a faculdade do empregador em efetuar o recolhimento do FGTS e também o direito de receber seguro desemprego, para a/o empregada/o domestica/o. Em 2006 a Lei n.º 11.324 alterou artigos da Lei n.º 5.859/72, com qual os/as trabalhadores/as domésticos/as de fato passaram a ter o direito a férias de 30 dias, direito aos feriados civis e religiosos, gestantes passaram a ter estabilidade, além da proibição de descontos de moradia, alimentação e produtos de higiene pessoal utilizados no local de trabalho. Entretanto, mesmo com avanços, não ficam estabelecidos direitos importantes das demais categorias, como o seguro-desemprego, pois somente aquela/e empregada/o doméstica/o que estiver trabalhando por, no mínimo, 24 meses e com contribuição de, no mínimo, 15 meses de FGTS (sendo que o pagamento deste é facultativo), terá direito ao benefício. Portanto, caso o empregador venha a não optar pelo recolhimento do FGTS, esta/e empregada/o doméstica/o não receberá o beneficio do seguro desemprego.
As dificuldades em garantir os mesmos direitos concedidos às demais categorias evidencia o caráter exploratório e desigual que caracteriza a contratação dessas/es trabalhadoras/es. Segundo informações da OIT,  nos países em desenvolvimento, o trabalho doméstico representa de 4 a 10% da força de trabalho. Mesmo assim, na América Latina, somente 23% das trabalhadoras domésticas possuem benefícios de seguridade social.  
A organização dessas/es trabalhadoras/es, bem como a fiscalização das normas trabalhistas, é extremamente dificultada pelo fato do trabalho ser realizado no âmbito doméstico, no espaço privado das famílias ou indivíduos que as/os contratam. Mesmo assim, a luta das/os trabalhadoras/es Domésticas/os está organizada sindicalmente através da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) e da Central Única dos/as Trabalhadores/as (CUT), que encabeçam a luta para que o Brasil ratifique da Convenção sobre as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos2 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).  Dessa forma, as trabalhadoras/es domésticos passariam a ter os mesmos direitos das demais categorias, previstos no Art.7° da Constituição Brasileira e não mais apenas nove dos 34 artigos. 
Basicamente, as trabalhadoras domésticas remuneradas podem encontrar três tipos de contratos de trabalho: formal como mensalista e dormindo no emprego, como mensalista e não dormindo no emprego e como diarista. A primeira recebe menos que a segunda e a segunda menos que a terceira. Entretanto, caso a diarista não consiga preencher totalmente sua carga horária, o que é bastante comum, receberá menos que as outras duas. 
Dados do IBGE de 2010 demostram que, no Brasil,  17% das mulheres ocupadas são trabalhadoras domésticas remuneradas3. Isso representa mais de sete milhões de mulheres, em sua maioria, negras. Equivale a uma população maior do que a cidade do Rio de Janeiro.
A Força de Trabalho Feminino
A desvalorização do trabalho doméstico, seja ele remunerado, ou não, tem raízes na divisão sexual do trabalho, no machismo e na escravidão.  A divisão sexual do trabalho é a divisão de tarefas, trabalhos, entre atividades masculinas e femininas, constituídos de importância hierárquica, sendo os trabalhos destinados aos homens mais importantes do que os destinados às mulheres. É um fenômeno que se restrutura de acordo com a sociedade e tempo histórico no qual está inserido. Dessa forma, ao longo da história, na maioria das comunidades, foram as mulheres as responsáveis pelo trabalho doméstico e, por conta disso, tais atividades foram desvalorizadas socialmente. 
Para compreender a desvalorização do trabalho doméstico, precisamos entender os conceitos de trabalho produtivo e trabalho reprodutivo4. O primeiro é o tipo de trabalho que, como já diz o nome, produz valores de uso, ou seja, mercadorias que podem ser vendidas e compradas. O segundo, comumente realizado pelas mulheres, são os trabalhos que permitem e garantem que os/as trabalhadores/as tenham condições de reproduzir sua força de trabalho: limpar a casa, cozinhar, lavar a roupa, cuidar das crianças. A força de trabalho é a única mercadoria que possui o/a trabalhador/a: a sua capacidade de trabalhar e produzir mercadorias. Assim, mesmo sendo fundamental para a sociedade, o trabalho doméstico, seja ele remunerado ou não, é interpretado como tarefa natural das mulheres, e por ser visto como inerente à condição de fêmea, é invisibilizado pela sociedade.  
No sistema capitalista, o trabalho feminino assumirá um novo caráter. Com a chegada da Revolução Industrial, as mulheres passaram a fazer parte da força de trabalho dentro das fábricas, juntamente com as crianças. Entretanto, o trabalho do lar continuou o mesmo, caraterizando o que então se chamaria dupla jornada de trabalho. 
Da Primeira Revolução Industrial até os dias atuais a vida das mulheres sofreu largas mudanças, em especial nos grandes centros urbanos. A entrada das mulheres no mercado de trabalho se deu de forma massiva, sem diminuir com isso suas responsabilidades no âmbito doméstico. Será a empregada  doméstica que assumirá o lugar na realização do trabalho reprodutivo. 
Contudo, a questão de classe não está separada da questão de gênero, uma vez que as mulheres tratarão do tema conforme sua classe permitir. As mulheres da burguesia contratarão as mulheres pobres para assumirem em seu lugar as massantes tarefas do lar. Às mulheres pobres, que possuem baixa escolaridade, não resta outra alternativa a não ser vender sua força de trabalho, mesmo que sem o mínimo de direitos.  De qualquer forma, a responsabilidade segue sendo feminina. 
Notas Sobre o Trabalho Doméstico Decente
A precarização demostra que dois caminhos devem ser seguidos simultaneamente para a melhora das condições de trabalho e de vida dessas trabalhadoras: regulamentação e políticas públicas. O primeiro permite a garantia de direitos que valorizam a profissão e melhoram as condições de trabalho. O segundo permite tanto a melhoria da vida das trabalhadoras e abertura de novas possibilidades de trabalho, como prepara a sociedade como um todo para lidar com o compartilhamento do trabalho doméstico. 
A busca do Trabalho Doméstico Decente, contudo, vai além da questão da legislação. Precisamos construir uma sociedade onde o trabalho doméstico seja compartilhado pelos membros da família. Conforme pesquisa recente5, as mulheres gastam em media 23 horas a mais na semana do que os homens com as tarefas domésticas. 
Para além, é responsabilidade do Estado desenvolver políticas públicas que, de fato, auxiliem nos cuidados com a família, com creches para as crianças pequenas, escolas de turno integral, programas de atenção as/aos idosas/os. Tais políticas devem ser de caráter universal, englobando a toda a população e numa clara perpectiva de gênero. 
É importante, quando falamos de políticas públicas, diferenciar programas voltados para a as mulheres e os voltados para a questão de gênero, pois, no primeiro, mesmo a mulher sendo o foco do programa, ele não necessariamente altera as relações de gênero. Assim, na questão do trabalho doméstico, as políticas devem modificar a feminilização da pobreza, incentivando o compartilhamento das responsabilidades domésticas. Para além, essas políticas deverão buscar o rompimento com padrões androcêntricos que desvalorizam qualquer traço cultural que esteja ligado a feminilidade. 
Nesse sentido, o governo brasileiro iniciou em 2003 um forte diálogo com as organizações que representam as/os empregadas/os domésticas/os no país e entre os anos de 2006 e 2007 efetivou-se o Programa Trabalho Doméstico Cidadão6, que atualmente está na sua segunda etapa. O objetivo é qualificação pessoal e profissional das trabalhadoras, alinhadas com a elevação da escolaridade e  políticas públicas de valorização do trabalho doméstico. 
Dessa forma, a tendência que se apresenta é de que cada vez menos mulheres optem por trabalhar na área de serviços domésticos conforme cresce a escolaridade, optando por trabalhos mais valorizados. Assim, a oferta dessas trabalhadoras tende a diminuir, a exemplo do que acontece nos países desenvolvidos. Daí a necessidade do compartilhamento das tarefas, para que as mulheres da família não retomem o peso para si, mas possam dividir com todos os membros da família. Esse processo eé fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade que busca a igualdade entre homens e mulheres. 
Queremos, neste momento, saudar esse dia com o compromisso de continuar lutando pela ampliação dos direitos das trabalhadoras domésticas e para que o Brasil ratifique a Convenção sobres as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos da OIT. Só assim deixaremos a exploração da classe trabalhadora nos tristes escritos do pasado. 
Referências
1) Dessa forma, são entendidos como trabalhadores domésticos o/a cozinheiro/a, faxineiro/a, motorista,  jardineiro/a, etc. Cabe ressaltar que porteiros/as, zeladores/as e serventes de prédios de apartamentos residenciais são trabalhares/as regidos pela CLT. 
2) Ver Mais Trabalho Decente para Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos no Brasil – OIT escritório no Brasil em .
3) Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), referentes a 2010, realizada pelo IBGE.
4) O conceito é problematizado pelas feministas contemporâneas. Indicamos Helena Hirata em: scielo.br/pdf/cp/v37n132/a0537132
5) Material pode ser acessado em: www.oitbrasil.org.br
6) Maiores informações no site: www.oitbrasil.org.br
* Vanessa Gil e Cláudia Prates são militantes da Marcha Mundial de Mulheres-RS

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Buteco das Mina inaugura amanhã



Buteco das Mina - onde a breja nunca esquenta e o papo nunca esfria

Galera, naquele clima bonito de #tudoaomesmotempoagora, começaremos amanhã mais um projeto maluco pra "mudar a vida das mulheres pra mudar o mundo / mudar o mundo pra mudar a vida das mulheres".
A ideia é simples: todas as terças-feiras, nós jovens da Marcha Mundial das Mulheres vamos  fazer uma série de twitcams* feministas. 
Vamos conversar sobre os assuntos da semana com vocês (aborto de anencéfalos, sexo no metrô e o que mais vier!), colocando na mesa questões que não passam na TV e nem saem no jornal. Também queremos dar dicas culturais de livros, filmes, músicas, ou de passeios que não saem nos guias tradicionais.
A proposta não é dar palestrinha na webcam, é conversar sobre esses temas com quem estiver na internet e quiser debater de forma saudável. 
Sugestões de pauta, comentários, pitacos e perguntas são muito bem-vindos. 
Participe acompanhando o perfil @marchamulheres e tuitando com a tag #butecodasmina. ;)
E chegue cedo: a mesa dura 40 minutos.

Pode pedir cerveja e amendoim que o buteco das mina inaugura amanhã! 

*Pra quem não sabe, twitcam é uma forma de transmissão de vídeo, ao vivo, pelo Twitter, que pode ser feita através de uma simples webcam. 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Pela vida das mulheres!

 Após longos anos de debate, no dia 11 de abril, próxima quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal julgará a interrupção de gestação no caso de fetos anencéfalos. A ação foi proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). A tendência é que o STF aprove e acreditamos que será um passo importante no sentido de consolidar o argumento de que a decisão sobre uma gravidez indesejada deve ser um direito das mulheres.

Durante essa semana, queremos novamente chamar a atenção sobre as repercussões da criminalização do aborto. Sabemos que apenas penaliza as mulheres e favorece a lucratividade das clínicas clandestinas e o tráfico de drogas ilegais (hoje o misoprostol é o principal método abortivo e é comercializado em associação com diversas outras medicações e drogas ilegais). Ser contrário à legalização do aborto hoje significa favorecer esse mercado que constrói um padrão de insegurança médica e psicológica a vida das mulheres.

Hoje, a opção de diminuir a mortalidade materna e assegurar o direito a saúde das mulheres significa necessariamente defender a legalização do aborto. Nesse sentido, faremos dois "tuitaços" em defesa do direito das mulheres decidirem sobre seus corpos.

Vamos tuitar?
10/04, 18h - tag #afavordavidadasmulheres (mencionando também @STF_oficial)
11/04, durante todo o dia, concentração 12h e 19h - tag #legalizaroaborto (mencionando também @STF_oficial)
12/04, 14h - tag #afavordavidadasmulheres


Marcha Mundial das Mulheres
Mulheres na UNE
Fuzarca Feminista

domingo, 1 de abril de 2012

Nota em repudio à absolvição do estupro de mulheres adolescentes de 12 anos


Na última terça-feira, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a absolvição de um homem acusado de estuprar três meninas de 12 anos. Com isso, o tribunal estabeleceu que a presunção de violência contra menor de 14 anos em estupro é relativa. Em resposta a essa decisão a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República publicou uma nota em que afirma entender que os Direitos Humanos, das mulheres, crianças e adolescentes jamais podem ser relativizados.
O argumento usado pelo juiz de primeira instância e depois confirmado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pela Terceira Turma do STJ é de que as meninas se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data. O jornalista Pedro Pinto de oliveira, do jornal CenárioMT escreveu indignado sobre o ocorridoo STJ condenou as milhares de meninas brasileiras que vivem na prostituição. Como são exploradas no mercado da prostituição não merecem julgamento igual ao de meninasingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. São culpadas por sua condição. São culpadas por serem vítimas da exploração sexual de menores.
A partir do exposto, incorporamos esse debate à luta feminista uma vez que caracterizamos a prostituição como uma violência contra a mulher, uma violência que mercantiliza a vida e o corpo das mulheres. E que se torna ainda mais inaceitável quando se pensa na múltipla vulnerabilidade social a que essas meninas foram submetidas, por serem mulheres e por serem cerceadas de decidir sobre suas vidas quando o crime aconteceu. A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, classificou comoinaceitávelo acórdão do TJ-SP, posteriormente confirmado pelo STJ e considerou inaceitável que as próprias vítimas sejam responsabilizadas pela situação de vulnerabilidade que se encontram.
Gilmara apolinário Reis
Militante da Marcha Mundial das Mulheres no Tocantins, Kizomba Lilás, e do Partido dos Trabalhadores.