segunda-feira, 23 de maio de 2011

Somos todas clandestinas!

Em todos os lugares, de várias idades, com seus sorrisos e choros, olhares de medo, muito mais do que se imagina, mulheres, muitas, optam por interromper uma gravidez indesejada, todos os dias.
Tudo bem, esse assunto não é novo, sabemos que podemos formar uma rede atemporal e que essa decisão estará presente, nem precisamos nos preocupar com o tempo verbal. A configuração desse tema em determinado contexto, sim, sempre é uma questão, polêmica, diga-se de passagem.  Mas podemos dizer seguramente que trata-se de um elo resistente das mulheres, sua clandestinidade (assumida).  
Não nos importam os motivos, as razões dessa opção. Na realidade, eles não importam para ninguém.  Da minha parte, digo que não importa, pois as mulheres fazem suas opções com bastante ponderação e reflexão. O corpo é das mulheres e cabe a elas a decisão sobre uma – possível – gestação. Trata-se de uma decisão individual.   
Eu sei que é um argumento pouco palatável.  Primeiro, “razão” e “escolha” são palavras historicamente retiradas da lingüística das mulheres. Embora, obviamente, façam parte da vida das mulheres. Em outro lado, mas complementando-se, espera-se da “verdadeira mulher” a dedicação e negação de sua individualidade.   
Afinal, parece que tudo relacionado ao cuidado e a reprodução são tarefas inerentemente femininas. Sempre foi assim...  Desde crianças elas recebem “presentes” , “conselhos”, “educação”, “desenhos”  que minuciosamente configuram um formato sobre “feminilidade”. Em muitos momentos, inclusive, tentou-se – e tenta-se -  relacionar essas características aos hormônios ou a uma “natureza”. Inclusive, sempre me perguntei “que natureza é essa? Tão distante de mim mesma? Tão insensível aos meus desejos?”.   Mas sabemos que essa naturalização é conto para fazer as mulheres dormirem.  De fato, no entanto, o que as mulheres dizem, o que suas vozes “clandestinas” altas e rítmicas bradam é outra tema. Sua clandestinidade guarda o sentido e o desejo de sua autonomia.
A opção pelo aborto é marcada por conflitos, por dúvidas, por medos. É perigosa. Ela é a resenha das recusas impostas, das negações, do excesso de responsabilidades e das imposições cotidianas.  A corrida pelos métodos anticoncepcionais, nunca 100% eficazes, mas sempre responsabilidade feminina. O destino à maternidade para a configuração do feminino. Meiguice, gentileza, cuidado, atenção, respeito, docialidade, silêncio, compreensão, escuta, amor, carinho. Tantas outras palavras formatadoras de um ser que vive para o outro.  Nesse sentido, não poderia deixar de destacar, a abstenção, que seguramente é uma das características mais exaltadas na “verdadeira mulher”.
O aborto incomoda tanto e é exatamente a negação da abstenção. Ele é negado, vetado, impedido, proibido às mulheres, mas é silenciosamente praticado. A clandestinidade assegura o direito ao silêncio, assegura a recusa às satisfações e justificações. Inclusive, medidas exigidas cotidianamente às mulheres, por outros tantos – todos – motivos.    
As mulheres dizem “não” cotidianamente a esse destino fantasmagórico que lhe é imposto, dizem “não” a negação de sua individualidade. Dizem sim ao seu desejo e a construção de suas vidas. Diante do medo, do receio, de todas as negações, elas optam por viver.
O aborto continua criminalizado no Brasil, mas isso não impede sua realização. Não impede que as milhares de clandestinas resistam e lancem suas vozes de liberdade. Mas causam muito medo, dor e sofrimento. Exatamente por isso permanece atual a centralidade da defesa da legalização do aborto, um direito à vida das mulheres, um direito à autonomia, um direito à escolha! 

*Por Ana Cristina Pimentel, militante da MMM de Juiz de Fora/MG e secretária da Juventude do PT de Minas Gerais.

Nenhum comentário: